sexta-feira, 26 abril, 24
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Carta – Amada Amélia

“Amada Amélia,

Sei que você é uma mulher bastante romântica. Nesse dia dos namorados, fiquei me perguntando o que eu poderia dar para você de presente, então, depois de pensar aqui com os meus botões (eu sei que você odeia essa expressão!), eu cheguei à conclusão de te surpreender com uma carta de amor bastante diferente… Que tal reviver o dia que nos encontramos, querida?

Foi uma tarde fria em São Paulo, em agosto, quando eu fiquei de folga no meu humilde trabalho de balconista e resolvi ficar até mais tarde na faculdade com os amigos, batendo um papo na fachada, sentados na mureta.

O Roberto estava fumando um cigarro quando me lembrou que eu tinha prometido ajudar a minha mãe na loja naquele dia. Caramba! Maldita hora que eu fui prometer algo! Eu estava me divertindo tanto conversando com a galera, depois da última prova do semestre, tomando uma cerveja como quem não queria nada… E, agora, eu tinha que sair correndo, pegar ônibus, metrô, andar até a loja e trabalhar mais três horas.

Mas, tudo bem. Era minha mãe, certo? Sua amada sogrinha.

Terminei minha cerveja e peguei o ônibus para a estação. Quando cheguei no metrô… Lotado. Caramba, que infortúnio! Era 15h, esse pessoal já não tinha extrapolado o horário de almoço? Eu tinha certeza que a hora das aulas da tarde também já tinha começado e, bem, não acho conveniente que uma população tão grande precisasse pegar condução para ir num curso fora de horário.

Mas, tudo bem; ‘pensa na mãezinha’, repeti várias vezes enquanto pegava aquele trem cheio, sem ventilação… 

Até que eu te vi, Amélia.

Tão linda, lendo um livro grosso de romance, encostada no canto do vagão, pegando o metrô em um horário nem um pouco conveniente em uma quarta-feira de agosto. Gosto de pensar que, naquele dia, você pegou o metrô só para me encontrar… Mas isso é segredo. Não venha tirar sarro de mim depois.

Fiquei te olhando a viagem toda, mas você só tinha olhos — literalmente — para o seu livro e suas páginas. Nunca vi alguém ler tão rápido em movimento… Quando leio nessas ocasiões, um enjoo terrível me toma e eu não consigo terminar! No entanto, você parecia graciosa, arrumando os óculos na ponta do nariz toda vez que o metrô chacoalhava.

No final da minha (longa) viagem, o vagão já estava mais vazio. Foi quando um homem histérico, na minha frente, pôs a mão no bolso e disse que tinha perdido a carteira. Olhou ao redor e, quando me viu atrás dele, logo me acusou:

— Você me roubou! Pegou minha carteira!

Eu fui tentar me defender, dizer que não tinha roubado nada. Sacudi os bolsos do casaco amarrado na cintura, mostrei os da calça, até abri a mochila para que o cara visse e, como eu alegava, não estava comigo.

— Levanta essa blusa! Você escondeu em algum lugar!

Naquele instante, você se aproximou de mim e puxou minha blusa mais para baixo, como quem dizia que ela não seria levantada em hipótese alguma. Olhou feio para o velho, uma carranca irritada, segurando o livro de forma desajeitada na outra mão.

— Não tá vendo que a sua carteira não tá com essa pessoa?! Para de acusar os outros pela cor de pele! Eu vou te denunciar! Racismo é crime! Nojento!

Um jovem se aproximou logo depois, entregando a carteira para ele, dizendo que a achou caída no chão, encostada no banco, que provavelmente caiu e foi arrastada em alguma brecada que a linha teve.

Ele sequer se desculpou: apenas foi para mais longe e se enfiou entre algumas pessoas.

— Que horror… Ele nem pede desculpas! Você tá bem?

— De boa… Já acostumei com esses otários.

De perto, você era ainda mas linda, Amélia. Seus olhos, sedentos por vingança, fizeram meu coração acelerar de um jeito que nunca acelerou antes. Um pouco mais baixa que eu, com o cabelo despenteado, uma roupa não muito ajeitada, não muito desajeitada, com uma mochila em um ombro e o livro na mão.

— Eu deveria te agradecer…

— Me agradecer?! — Ela bradou, indignada. — Não tem o que agradecer… Eu só fiz meu papel como ser humano! Além do mais, você também conseguiria se defender sem mim, certo? Qual é o seu nome?

— Alex.

— Oi, Alex. Eu sou Amélia. — Ela me estendeu a mão. — Eu te acompanho ao posto do metrô pra denunciar esse cara.

Eu disse que não era necessário, mas você insistiu. Naquele momento, minha raiva de ter sofrido mais um racismo nojento sumiu: eu só pensava em como você tinha uma voz bonita, um sorriso gentil, uma conversa legal, tentava me acalmar depois do que aconteceu e, na hora de relatar, me ajudou a descrever o cara.

Ao fim, estávamos em uma estação para baldeação, era nossa despedida. Você ia numa direção, eu em outra… Respirei fundo, com muita timidez, antes de te dizer:

— Amélia, você é muito gentil. Que tal sair algum dia?

‘Diga sim, diga sim!!!’, eu pensava.

— Claro. Vamos trocar nossos números, eu te chamo depois.

E foi assim que nós nascemos, Amélia, de uma admiração distante para uma admiração por uma atitude ativa, vários encontros muito engraçados, beijos roubados, choros compartilhados e surtos na vida acadêmica.

Te amo, querida. Te espero no bar hoje à noite.

Com carinho,
seu amor todinho.”

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Por Luiza Manchon

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