Ô abre alas! Ô balancê! Mamãe eu quero! Saudade de uma folia, não é?
Tradicionalmente, grande parte dos brasileiros já estaria vivendo essa sexta-feira sob o êxtase carnavalesco, da folia e da festa, o ir para a rua e se esquecer dos problemas. Mas, apesar da vacina, fevereiro de 2021 ainda é pandemia . O Carnaval e sua inevitável aglomeração foram oficialmente cancelados. Curiosamente, em 2020, o ano que será sempre lembrado na história como o ano da pandemia do coronavírus, teve Carnaval.
Teve pelo menos no Brasil, o fevereiro de 2020 ainda era ingênuo e caiu no samba normalmente. Se soubéssemos o que estava por vir no mês seguinte, alguma coisa mudaria? Será que foliões iriam adotar o famoso carpe diem para aproveitar mais intensamente?
Existe uma famosa frase muito usada, pelo menos no Rio de Janeiro, que diz: ”O ano só começa depois do Carnaval”. Com certeza, se contar desde a época do colégio, todos já ouviram pelo menos uma vez. E 2020 mostrou justamente o oposto, foi depois do Carnaval que o ano parou, o mundo se estagnou e a rua, que era o lugar da festa, tornou-se perigosa.
Mas, com quase um ano vivendo em uma pandemia, todos nós, que continuamos vencendo esse momento, levaremos aprendizados e transformações, e posso garantir que as futuras experiências de curtição, folia, festa, aglomeração terão um sabor muito mais especial.
Carnaval
A título de curiosidade – o Carnaval de 1919, especialmente no Rio de Janeiro, ainda Distrito Federal, é considerado por muitos como o Maior Carnaval de todos os tempos. O mundo vinha de uma gripe espanhola que matou 50 milhões de pessoas, sendo quase 40 mil brasileiros, e ao menos 15 mil vítimas da cidade do Rio (à época, a população brasileira era de 28 milhões). Então, aqueles que sobreviveram e superaram esse período de caos descontaram tudo no Carnaval e literalmente se jogaram na multidão.
Há relatos de pessoas que não voltavam para suas casas, emendando as festas e os blocos sem sair das ruas. O jornalista e escritor Carlos Heitor Cony escreveu, em 1996, um artigo na Folha de S.Paulo sobre a gripe e o Carnaval de 1919, um dos trechos dizia:
“Não havia tempo nem lugar para o enterro. Natural que, depois da fase mortuária, viesse a fase libertária, ou libertina, basta dizer que as delegacias da cidade registraram a queixa de 4.315 defloramentos e outros tantos casos de abandono do lar, adultério e até incesto”. Cony não viveu aquele ano, não era nascido, no entanto, afirmou: ”Não consigo esquecer esse Carnaval”.
Muitas músicas e marchinhas daquela época faziam referência à peste e ao momento pós-pandêmico. Em uma delas, os versos diziam:
Quem não morreu da espanhola, quem dela pôde escapar,
não dá mais tratos a bola, toca a rir toca a brincar.
O escritor Ruy Castro apelidou a festa de ”O Carnaval da Revanche – a grande desforra contra a peste que dizimara a cidade”. Vale lembrar que 1919 também foi o ano seguinte ao fim da primeira Grande Guerra, e apesar do Brasil não ter tido um papel significativo na batalha, o sentimento de libertação e vingança contra a dor também estava muito presente. ”O carnaval se consumou de forma estrondosa, como se fossem várias tensões represadas estourando ao mesmo tempo”, afirmou o jornalista David Butter.
Aquele ano marcou ainda o primeiro desfile de um dos blocos mais antigos do Brasil, o Cordão do Bola Preta. Mantendo as tradições dos desfiles carnavalescos dos anos 20, o Bola Preta sai sempre ao sábado de Carnaval na avenida Rio Branco, antiga Avenida Central, no centro do RJ.
O compositor e pianista João Roberto Kelly, autor do clássico A Cabeleira do Zezé, compôs uma nova marchinha em agosto do ano passado (2020), com a esperança de um Carnaval sem pandemia neste ano:
Eu quero um carnaval sem vírus
O samba não pode parar
Eu quero ver a minha escola
Sair no bola pra comemorar
Eu quero ver a minha escola
Sair no bola pra comemorar
Não dá mole, companheiro
Fica em casa se puder
Essa cara de tristeza
Vai passar se Deus quiser
Essa cara de tristeza
Vai passar se Deus quiser
A música de Kelly é o desejo de todo mundo e estamos caminhando para isso, como diria Chico Buarque: Vai passar! Agora, o que nos resta é criar nossa folia caseira e esperar mais um pouco, para depois de 103 anos fazer do próximo o Maior Carnaval de todos os tempos!
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Por Pedro Tavares – Fala! UFRJ