Por Daniel Benites – Fala!Cásper
“Um pouco amargo, por vezes azedo. Mas, no final, sempre prazeroso.” É com essa ideia que se inicia o filme italiano Café, em cartaz nos cinemas. Dirigido por Cristiano Bortone, o longa se desenrola em três tramas diferentes, cuja única interseção entre todas é o café, elemento simbólico que rege a vida dos protagonistas.
A primeira história ocorre na Bélgica, onde Hamed, um imigrante muçulmano tem sua loja de antiguidades assaltada por neonazistas. Dentre todos os itens roubados, o que ele logo sente falta é de um bule de café, uma relíquia de sua família que não estava à venda devido ao seu valor sentimental para o comerciante. Decidido a recuperar o item, o qual fazia parte da história de sua família e da sua própria identidade, Hamed consegue encontrar um dos assaltantes de seu armazém.
A segunda história é focada em um casal de jovens italianos. Ambos, após perderem seus respectivos empregos, decidem se mudar para uma cidade vizinha, onde um amigo dos dois vive e que se propõe a ajudá-los com um emprego. Renzo, o jovem do casal, é conhecido na família e entre os amigos por saber preparar café como ninguém, dom o qual ele acredita que será útil no novo emprego. Entretanto, ele logo se vê envolvido em um esquema de assalto a uma fábrica de café da região, enquanto sua esposa descobre que está grávida, sem condições para criar o filho.
A terceira trama se passa na China, onde Ren Fei se encontra em diversos dilemas. O protagonista descobre que está sendo chantageado por seu patrão, ninguém menos do que seu sogro. Em uma viagem de trabalho, ele acaba por visitar um vilarejo no interior da China, onde foi criado. O contato com alguns habitantes, plantadores de café, e com seus familiares, com quem não conversava há muitos anos, o permite rever suas escolhas em relação à vida.
As tramas vão se alternando ao longo do filme sem confundir o público, devido às claras diferenças físicas entre os personagens de cada história, bem como às características regionais em que ocorrem. Em sequência cronológica, é possível acompanhar cada uma das histórias com a mesma intensidade e envolver-se nas respectivas situações e conflitos. Com um certo tom de suspense em certos momentos, a obra constitui um drama. Ainda assim, um drama que transmite esperança a quem o assiste.
Diversos temas polêmicos que polarizam as sociedades na atualidade estão presentes no filme, alguns até mesmo em mais de uma das tramas. A crise de refugiados e a ascensão de movimentos neonazistas ganham foco na primeira narrativa, ocorrida na Bélgica. Conflitos entre patrões e empregadores, bem como a dificuldade de manter uma família com limitações financeiras são temas da história que se passa com Renzo na Itália. Já a liquidez e superficialidade do mundo dos grandes empresários e o retorno a uma vida mais tradicional, mais conectada à natureza e aos valores solidários, correspondem à narrativa de Ren Fei na China.
O roteiro permite que se estabeleça uma conexão com todos os protagonistas, de modo a compreender todos os seus dilemas e conflitos. A fotografia exerce também um importante papel no filme, alternando-se entre tons sombrios em momentos mais tensos e deprimentes do filme, e ganhando luz e cor quando o contrário acontece. Também nesse sentido, a atuação do elenco e trilha sonora, se destacam para estabelecer tal conexão.
Possivelmente uma das mais importantes mensagens do filme seja a união entre as três histórias, simbolizada pelo café, elemento presente em todas bem como fio condutor dos enredos respectivos. Trata-se de uma bebida simples e comum, mas se torna um motivo de conexão humana fortíssimo ao longo do filme. Talvez uma das cenas mais impactantes de todo o filme seja a imagem, em câmera lenta, da bebida dentro de um copo, muito semelhante a imagem da Terra vista do espaço, ou até mesmo deste próprio.