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‘Bridgerton’: entenda por que precisamos falar sobre “aquela cena”

Com figurinos extravagantes e carruagens, Bridgerton estreou no dia 25 de dezembro na plataforma da Netflix. A série trouxe consigo o grupo de fãs da série literária, escrita pela autora Julia Quinn, que originou a produção do streaming. Segundo dados da Netflix, a série pode chegar a 63 milhões de views em seu primeiro mês, e possivelmente se tornar a quinta maior produção da plataforma.

O cenário, que busca adaptar o início do século 19, trouxe consigo alguns típicos elementos da cultura patriarcal, como a valorização da virgindade feminina e a ênfase na necessidade de um casamento para a vida das mulheres. Um dos fios condutores da série se resume à falta de conhecimento das personagens femininas mais jovens sobre sexo e gravidez, algo que só seria descoberto na noite de núpcias e, posteriormente, no decorrer da união.

Bridgerton
Daphne (Phoebe Dynevor) em Bridgerton. | Foto: Reprodução.

Bridgerton: por que precisamos falar sobre “aquela cena”

A protagonista da série, Daphne, passou mais da metade da temporada sem entender como as mulheres engravidavam. Ela se casa com o duque, Simon, sabendo que ele não poderia ter filhos. A verdade por trás disso era que Simon não tinha intenção de gerar herdeiros ao seu nome, devido a uma promessa que fez como vingança ao seu pai abusivo. 

Mesmo assim, o casal permanece tendo relações sexuais, com Simon utilizando do método de “coito interrompido”. Quando Daphne descobre como funciona o processo de concepção da gravidez, se enfurece com Simon, já que não era uma questão de não poder ter filhos, e sim de não querer. Sem discutir isso com o marido, Daphne sobe em Simon durante a relação contra a sua vontade, impossibilitando o duque de utilizar do método do qual usou das outras vezes.

Essa cena descrita foi, de fato, um estupro, mas a série não a trabalha dessa forma, ou fornece alguma explicação sobre a falta de consentimento, o que é frustrante. Não há nenhuma reflexão com o erro cometido por Daphne, nem uma mínima culpa, a trama apenas segue até que o casal finalmente se reconcilie e engravide.

Outro aspecto problemático é que a produção tentou de certa forma “amenizar” a cena da obra original para incluí-la na série. Nos livros de Julia Quinn, Simon estava bêbado enquanto isso acontecia, o tornando uma vítima vulnerável.

A questão da violação feita pela protagonista com o próprio marido foi, sequer, mencionada durante o arco. Esse tipo de tratamento e o disfarce de um estupro, pode colaborar, inclusive, para a falta de normalização de homens como vítimas de violência sexual.

Violência sexual

No Brasil, em 18,2% dos casos de violência sexual as vítimas são do sexo masculino, segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Uma parte considerável das vítimas que passam por abuso relatam a falta de credibilidade quanto ao ocorrido, e o sexo masculino se exclui disso. É indiscutível que as mulheres são as principais vítimas de violência sexual, mas é importante ter o entendimento de que estupro não é exclusivamente um problema feminino.

Em entrevista para o site americano Esquire, Chris Van Dusen, o criador da série, comentou sobre a cena. “Sentimos que as personagens femininas da série – Daphne, especialmente – deveriam ter permissão para fazer exatamente isso. Ela deveria ter falhas. Ela deveria ser capaz de fazer escolhas questionáveis”, disse ele. 

O criador também falou sobre a importância da cena para iniciar conversas sobre consentimento. Porém, a forma como a série conduziu o acontecimento não foi em prol de levantar conversas, já que não se mostrou à audiência o problema na atitude de Daphne. A falta de contestação no roteiro revela a irresponsabilidade da série com problemas reais.

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Por Maria Luiza Priori Pimentel – Fala! Mack

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