Por Lázaro Cruz – Fala!USP
O incidente envolvendo um grupo de brasileiros que faz uma “brincadeira” infeliz com uma possível russa em seu território é do ponto de vista social e antropológico uma barbárie. Aparentemente uma garota que não fala português se vê coagida a entrar num grito de guerra ao redor de alguns marmanjos que esbravejam “BOCETA ROSA”, se referindo à genitália da jovem caucasiana.
O medonho episódio pode nos trazer a um fosso de amargura por imaginar que a Humanidade ainda dispõe de representantes que envergonham a espécie. Agrava-se quando se descobre que um dos integrantes do bando é formado em Direito e foi secretário de turismo em Pernambuco. Alguém que deveria trazer à tona um debate sobre a civilidade social como meio de integração transcultural. Pessoa que pressupõe-se ter tido acesso à informação, à cultura e à educação acima da média de seus compatriotas.
Mas apesar disso, podemos enxergar algo positivo, um copo meio cheio, uma esperança de que caminhamos para alguma evolução do homo sapiens neste presente século. O alento vem do repúdio observado em redes sociais, em rodas de conversas nos ambientes de trabalho, acadêmicos e domésticos. Há uma manifestação coletiva de que este tipo de comportamento não tem lugar no mundo contemporâneo – apesar de ser possível encontrar ecos de barbárie semelhante em outros seres espalhados pelos grotões do planeta.
Não era incomum aparecer, há poucos anos, programas de TV exibindo brincadeiras de gosto duvidoso ao limitar a mulher a um papel de prestadora de agrados sexuais. Muitas brincadeiras em colégios na década de 90 exprimiam de forma “divertida” este olhar selvagem do masculino sobre o sexo oposto. Piadas comumente ouvidas em festas familiares ou em papos da “firma” divertiam e internalizavam estereótipos machistas que nossa sociedade demorará tanto tempo para superar…
Eclodem, recentemente, casos e casos de denúncias contra astros e profissionais do cinema que abusaram de alguma forma de mulheres no ambiente de trabalho. Mais é falado do assunto e mais vem à tona novas denúncias, não só de astros, mas de gente comum que expõe em plataformas digitais os abusos que aconteceram veladamente em espaços familiares. O mundo está mudando. Muito rápido. Mas traz nessas mudanças um frescor de civilidade. Nem tudo está perdido. Há esperança de que as próximas gerações possam desde cedo anular a propagação de piadas e brincadeiras que reforcem os arquétipos que as gerações anteriores não foram capazes de inibir.