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Inglaterra: a seleção vexatória do país com a liga nacional mais forte do mundo

No último dia 20 de março, estreou, na plataforma de streaming global da Netflix, a minissérie The English Game, a qual retrata os primórdios do futebol inglês já no final da década de 1870. O pioneirismo britânico garante à Inglaterra o título de país fundador do esporte mais querido do mundo e, por coincidência ou não, também possui a liga nacional mais forte e disputada da atualidade.

Apesar dessas vantagens, a seleção inglesa passa longe de ser um orgulho à terra da Rainha devido a um fraco histórico com apenas um título de Copa do Mundo conquistada, em 1996, com direito a gol irregular na final, sendo essa a sua única aparição no último jogo do torneio, ficando atrás da antiga Tchecoslováquia e empatado com Suécia e Croácia.

The English Game netflix
Minissérie The English Game, da Netflix. | Foto: Reprodução.

Seleção inglesa vexatória

Primeiramente, iremos abordar uma das respostas mais óbvias para o baixo rendimento de qualquer equipe: a mediocridade dos técnicos contratados pela Football Association, ou seja, a associação de futebol da Inglaterra, conhecida pelo seu conservadorismo nas decisões técnicas da seleção.

Por conta disso, a maioria dos últimos treinadores da equipe nacional britânica não está em um patamar exigido por uma seleção e até por times de primeiro escalão europeu, como pode ser observado pelo fato de apenas dois ex-comandantes da seleção estarem empregados nos modestos Derby County e Crystal Palace. E não há perspectivas de mudanças com o atual técnico do time britânico: o ex-interino, agora efetivado Gareth Southgate, cujo único trabalho em um clube foi no modesto Middlesbrough.

Para se ter uma noção da gravidade, o antigo chefe-executivo da FA, Martin Glenn, garantiu não ser “um especialista em futebol” na entrevista coletiva, após a eliminação inglesa para a Islândia, na Eurocopa de 2016.

Gareth Southgate, atual técnico da seleção inglesa.

O segundo fator também muito importante para esse fracasso é um processo inevitável no mundo atual: a globalização. Com um mundo cada vez mais conectado, cresce a demanda pelo campeonato inglês ao redor do globo e, consequentemente, o preço sobre os direitos de transmissão desses jogos aumenta, com isso, a detentora desses jogos precisa desembolsar bilhões de libras esterlinas aos clubes, que disputam a Premier League.

Logo, com um faturamento acima da maioria dos clubes europeus, os times medianos da liga inglesa passam a ter como objetivo a manutenção na primeira divisão devido às milionárias cotas de transmissão anual e, para isso, gastam milhões para a montagem de um elenco minimamente competitivo com preferência aos jogadores estrangeiros, que já representam 70% dos atletas da Premier League.

Essa é a realidade de 14 times do médio escalão, já a dos outros 6, conhecidos como “The Big Six”, é totalmente diferente. Arsenal, Chelsea, Liverpool, Manchester City, Manchester United e Tottenham são equipes com investimentos altíssimos quando comparado aos outros times devido à entrada de capital dos seus investidores bilionários. Esses clubes não se preocupam em ficar na primeira divisão da liga, porém, em vencê-la e em possuir um ótimo desempenho em competições continentais, haja vista que há a necessidade de corresponder à verba bilionária injetada nessas equipes.

Para tanto, é preciso gastar corretamente esse dinheiro nos melhores jogadores e treinadores do mercado mundial, portanto, há uma preferência por profissionais estrangeiro, a ponto de haver apenas um técnico e 19,9% de atletas ingleses nesses seis elencos.   

Por fim, vale ressaltar uma frase da cultura futebolística, conhecida como “club over country”, ou seja, clube acima do país, a qual embora exista em outros países, é extremamente forte no pensamento dos ingleses. Essa frase representa bem o sentimento não só dos torcedores, mas também dos jogadores britânicos, pois ambos sentem-se mais representados e identificados com os clube, e não com a equipe nacional do país, em virtude de diversos fatores culturais, históricos e sociais.

Evidentemente, esse dilema atrapalha uma eventual união dos convocados e das torcidas em prol do sucesso da seleção inglesa, já que a maioria dos atletas, principalmente aqueles do Big Six, tendem a interagir apenas entre seus colegas de clube, além de gerar uma guerra de egos entre os jogadores de times rivais.

Certamente, as consequências dessa ideologia servem como uma das possíveis explicações para o fracasso da famosa “Golden Generation”, isto é, a geração de ouro britânica, composta por craques como Rio Ferdinand, John Terry, Ashley Cole, David Beckham, Paul Scholes, Frank Lampard, Steven Gerrard e Wayne Rooney, que jamais foram campeões representando a sua nação. 

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The Golden Generation. | Foto: Reprodução.

Reversão do histórico vexatório da seleção inglesa

Dentro desse contexto de fracassos, a FA busca, a partir de certas medidas, reverter esse histórico vexatório da seleção inglesa, contudo não será fácil devido à forte oposição da Premier League, defensora da supervalorização da liga com os melhores jogadores e treinadores disponíveis no mercado.

Recentemente, a Associação de Futebol da Inglaterra propôs a limitação de 13 estrangeiros por clubes, a fim de promover a formação de novas promessas, todavia, a Premier League se opôs temendo a queda da sua qualidade e, por consequência, da sua demanda mundial. Contudo, a liga nacional já promove uma certa valorização das categorias de base britânicas ao exigir que os elencos possuam, no máximo, 25 jogadores acima dos 21 anos, com isso haveria, em teoria, 8 “jogadores caseiros” nos plantéis.

Entretanto, não houve grandes alterações na estrutura do futebol inglês a ponto de reverter o fracasso desproporcional da equipe nacional frente ao sucesso da Premier League. Dessa forma, a seleção perde progressivamente mais o prestígio dos britânicos e, assim, há o fortalecimento o pensamento do “club over country”, que já representa o raciocínio de 63% de torcedores ingleses, de acordo com o jornal britânico The Sun, tornando essa situação, cada vez mais, irreversível.

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Por José Mário Santos – Fala! UFRJ

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