Entrar em um fliperama na década de 80 era como ter acesso a um portal de outra dimensão. O ambiente escuro que contrastava com as luzes brilhantes, as cores intensas e uma explosão de sons que saíam das máquinas criavam uma atmosfera inconfundível, que sem dúvidas marcou toda uma geração. E hoje, os fliperamas praticamente desapareceram das ruas, permanecendo apenas na memória daqueles que o viveram em seu auge.
A história do fliperama
Como esse fenômeno começou: o pinball
Na década de 30, nos Estados Unidos, o pinball foi a primeira máquina que se tornou conhecida entre as feiras e parques de diversão. Os populares fliperamas ainda não existiam, mas o primeiro lar desses jogos viciantes foram os cassinos. E justamente porque os pinballs não permitiam muito controle do jogador e dependiam apenas do acaso, eles se popularizaram como jogos de azar. A conotação negativa que eles receberam foi tão forte que o jogo foi proibido em diversos estados americanos, considerado “do diabo” e uma porta de entrada para o vício em apostas.
Esse cenário só começou a se transformar em 1947, com o lançamento do Humpty Dumpty, um novo modelo de pinball que contava pela primeira vez com “flippers”, as famosas alavancas que controlam todo o movimento do jogo. Essa evolução foi responsável por afastar o pinball da ideia de sorte e torná-lo familiar. Porém, essa reputação demorou a mudar. O pinball cresceu, mesmo ilegal, e se tornou um dos jogos mais populares (e de principal nostalgia). Até o final dos anos 90, era possível encontrar nos fliperamas uma variedade infinita de pinballs, com os mais diferentes temas.
E parte dessa história inicial acabou sendo fundamental para formar a imagem clássica que temos dos fliperamas hoje em dia. O próprio termo “fliperama” veio dos “flippers” do pinball. Além disso, as tradicionais fichas que iam nas máquinas foram uma alternativa criada pelos parques de diversão na época para desassociar os jogos diretamente do dinheiro. E que deu bastante certo.
O surgimento de uma indústria
Com a Segunda Guerra Mundial, na década de 40, um grupo de empresários de Honolulu, no Havaí, fundaram a Service Games. Seu objetivo era atender a demanda por entretenimento comercializando máquinas de jogos e caça-níqueis. E devido à proibição dos jogos de azar nos EUA, a empresa se mudou ao Japão, onde se expandiu. Ela existe até hoje e é uma das maiores na indústria de games contemporâneos, não mais como Service Games, mas como SEGA.
O primeiro jogo eletromecânico desenvolvido por ela foi o Periscope, um jogo de tiro com temática de submarino. Ele é considerado um grande marco na história dos fliperamas, pois contava com várias evoluções na tecnologia de efeitos sonoros e visuais para a época. Além disso, o Periscope popularizou o uso do quarter (0,25 do dólar) como método fixo de pagamento dos fliperamas americanos.
Outro importante ponto de virada dessa indústria foi o Pong. Projetado pelo engenheiro Allan Alcorn e comercializado pela Atari em seus anos iniciais, o jogo tinha uma proposta simples, mas contagiante. Como seu nome já indica, foi baseado em jogos de pingue-pongue, e seu objetivo era apenas rebater a bolinha na tela para não deixá-la cair.
Nolan Bushnell, criador da Atari, definiu que grande parte do sucesso do Pong se deu por ele ser multijogador. Muito da magia do jogo, e do fliperama como um todo, não estava apenas em jogar, mas na interação social que isso envolvia. Eles se tornaram pontos de encontro, locais onde se ia para conversar, rir, descontrair e conhecer pessoas.
O “boom” do fliperama
O jogo que deu início à era de ouro dos fliperamas foi o Space Invaders. Criado pelo desenvolvedor Tomohiro Nishikado e distribuído pela Taito do Japão em 1978, o jogo inspirou-se em ficções científicas como A Guerra dos Mundos e Star Wars, e possui como objetivo mover um canhão de laser em uma linha horizontal para atirar em alienígenas que aparecem na tela.
Space Invaders foi o primeiro jogo a introduzir a música de uma forma mais imersiva, não apenas no início ou no final da partida, mas como um fundo musical contínuo e que variava de intensidade, acompanhando o jogador como parte de uma narrativa. Por isso e por vários outros aspectos, ele é considerado um dos jogos que mais revolucionou a indústria de games e é hoje um símbolo da cultura pop.
Nos anos 80, nasceu o maior sucesso de toda a história dos fliperamas: o Pac-Man. Toru Iwatani, desenvolvedor da Namco, pensou o jogo com o objetivo de ser algo inovador, que fugisse das temáticas de tiro e poderia atingir um público mais amplo na época, como meninas e crianças mais novas. E o icônico “come-come” amarelo, junto aos quatro fantasmas, rapidamente conquistaram pessoas no mundo todo.
Pac-Man foi o responsável por popularizar a ideia de personagens dentro de um videogame. Cada um dos fantasmas possui nome e características individuais, que tornam a jogabilidade mais interessante. O vermelho, Blinky, quer caçar diretamente o jogador, enquanto o laranja, Clyde, se move aleatoriamente pelo labirinto. Já os fantasmas rosa e azul, Pinky e Inky, acompanham o movimento do Pac-Man em diferentes distâncias do labirinto. O sucesso do jogo foi tanto que ele é hoje dono do recorde mundial do Guiness de videogame de arcade de maior sucesso com um total de 293.822 máquinas vendidas entre 1981 e 1987.
Já em 1991, foi lançado pela Capcom o Street Fighter II, o último grande sucesso da era de ouro dos fliperamas. Com uma gama variada de personagens, modo multiplayer, uma trilha sonora baseada no hip-hop e gráficos avançados para a época, o jogo definiu os padrões do gênero de luta, e da indústria de jogos como um todo. Além disso, como os anteriores, se tornou grande parte da cultura pop e é lembrado e jogado por muitos até hoje.
Os fliperamas brasileiros: A Taito do Brasil
A empresa japonesa Taito se tornou conhecida pela criação do Space Invaders, no entanto, ela também é o nome mais familiar entre as crianças brasileiras das décadas de 70 e 80 quando se fala em fliperama. Isso porque quase todas as máquinas de jogos da época no Brasil vinham da Taito do Brasil.
Um homem chamado Abraham Kogan, filho do fundador da Taito japonesa, iniciou uma empresa no Brasil chamada “Trevo Diversões Eletrônicas”, em 1968, que mudou seu nome, quatro anos depois, para “Trevo Diversões – Representante da Taito no Brasil”. Inicialmente, a empresa importava máquinas de pinball dos EUA, mas logo começou de fato sua produção dentro do País: as imitações de jogos que vinham do exterior, o que a fez ficar mais famosa.
As falsificações se tornaram muito mais populares do que as versões originais entre os brasileiros e isso causa confusão até hoje quando se tenta procurar por um determinado jogo antigo e não o encontra. Os pinballs, como Cavaleiro Negro, Zarza e Vortex são alguns dos mais lembrados e que eram “adaptações” de modelos de fora. Muitos dos videogames também vieram para cá com nomes alterados, como o Xevious, que se popularizou como Columbia, o Frogger, que se tornou Jump, e o New Rally X, que virou Stock Car no Brasil.
E o que aconteceu com o fliperama?
Com a popularização dos consoles, como o Super Nintendo e os PlayStations, jogar videogame em casa passou a ser mais viável financeiramente e a cultura do fliperama começou a se enfraquecer. Muitos estabelecimentos fecharam por não conseguirem pagar pelas máquinas, devido ao baixo movimento. No entanto, os fliperamas não morreram por completo.
No Japão, os arcades não só ainda existem, como permaneceram acompanhando as evoluções tecnológicas e são bastante populares. A Joypolis, da SEGA, é uma das mais famosas redes de fliperama existentes no país, que combina videogame e parque de diversão em um lugar de uma forma extremamente moderna.
A nostalgia dos mais velhos e o gosto pelo vintage dos mais novos têm mantido, mesmo que de uma forma menor, a cultura dos jogos de fliperama. Estabelecimentos tradicionais de rua permanecem de portas abertas desde os anos 70 em alguns locais do Brasil, com clientes de todas as idades. E independente do tempo que se passe, o que mais mantém vivos os fliperamas são as lembranças que a geração que os viveu carrega: dos melhores momentos que se passaram entre aquelas máquinas barulhentas e luminosas.
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Por Leticia Negrello Barbosa – Fala! UFPR