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Difamação na Internet: Os limites da (suposta) terra sem lei

A linha nada tênue que separa opinião de ofensa na Internet

Crimes cibernéticos estão cada vez mais comuns no Brasil. Em 2017, foi registrado um aumento de 110% destes delitos, segundo levantamento realizado pela associação SaferNet Brasil em parceria com o Ministério Público Federal (MPF). A natureza dos crimes virtuais pode variar, mas alguns dos mais comuns de serem observados são os crimes contra a honra – calúnia, difamação e injúria – previstos no Código Penal brasileiro. 

A honra se relaciona diretamente com a dignidade, reputação e autoestima do indivíduo. Calúnia e difamação são crimes que atingem a honra objetiva – a reputação como indivíduo perante a sociedade. Caluniar é acusar falsamente alguém de cometer um crime, enquanto difamar é imputar a alguém um fato ofensivo, porém não criminoso, à sua reputação. Por último, a injúria afeta a honra subjetiva, a autoestima, e é a atribuição de qualidade depreciativa a alguém.

Marina Costa, advogada especializada em direito digital, explica que pessoas públicas estão mais suscetíveis a esses tipos de ataque por conta da exposição on-line, mas que qualquer pessoa pode ser vítima, seja usuária da Internet ou não. A advogada acredita que há quem se aproveite do anonimato na Internet e de um falso sentimento de segurança para caluniar, difamar ou injuriar terceiros.

Muitas vezes as pessoas insultam outros sob o argumento de estarem exercendo liberdade de expressão. Algumas se aproveitam de perfis fakes ou de comentários anônimos para cometer esses crimes, achando que assim ficarão impunes, porém, a investigação de crimes digitais está cada vez mais refinada.

Ressalta Marina. 
Internet
Internet. | Foto: Caroline Névoa.

O papel das redes sociais

As redes sociais têm forte poder de potencialização de tudo que é publicado, seja pelo acesso à informação estar mais simplificado ou pela facilidade de poder postar e compartilhar conteúdos, e este pode ser usado de forma positiva ou negativa.

O advogado Luis Flávio Biolchini, membro da Comissão de Políticas Criminal e Penitenciária da OAB/RJ, afirma que a Internet favorece a propagação dos crimes contra a honra por conta dos compartilhamentos, que podem desencadear uma espécie de reação em cadeia. A capacidade de multiplicação de conteúdo on-line acontece de forma veloz: uma vez postada, a mensagem pode ser compartilhada inúmeras vezes. Há também o risco do usuário perder o controle do que escreve, já que, mesmo com a publicação original deletada, ainda corre o risco de permanecer na rede por meio de print screens (captura de tela).

Isto é o que facilita a perpetuação dos crimes contra a honra; um comentário feito, por exemplo, em um churrasco com os amigos, não tem a mesma proporção se for feito on-line. No digital, a fala da pessoa ocorre dentro de um espaço onde tudo fica registrado por tempo indefinido.

Ressalta Biolchini.

Biolchini também ressalta que para que uma postagem seja qualificada como calúnia, difamação ou injúria é preciso que haja a intenção de ofender a honra. Para o advogado, a linguagem mais informal usada em plataformas digitais pode facilitar ofensas, já que fica aberta a interpretações. Seja uma escolha errada de palavras ou um comentário infeliz feito de cabeça quente, a questão é pessoal e variável, mas, se este comportamento passa a ser constante, fica difícil crer que não é intencional. 

Como a honra é um bem jurídico bastante subjetivo, os casos de calúnia, difamação e injúria também o são. Matheus Braga, advogado e presidente da Comissão de Estudos em Direito Penal da OAB/CE, declara que cada ocorrência deve ser analisada de acordo com suas circunstâncias concretas: o que foi dito, as pessoas envolvidas e se houve a intenção de machucar a honra. 

Nas redes sociais, o limite entre liberdade de expressão e crimes contra a honra parece tênue. Matheus Braga explica que a liberdade é um direito constitucionalmente previsto, porém, ele enfatiza que, no Brasil, nenhum direito é absoluto, desta forma, todos têm liberdade de expressão, mas esta não pode ser usada para atingir outros direitos ou bens igualmente tutelados. 

A liberdade de expressão é uma regra, mas ela não é absoluta. O uso desta para propagar o ódio, imputar a alguém crimes que este não cometeu ou atribuir a terceiros fatos falsos que podem ofender sua reputação e honra é, para mim, o limite.

Diz Braga.

A opinião é compartilhada pela advogada Marina Costa, que acredita que o limite entre ser livre para expressar suas crenças e uma ofensa é quando essa liberdade de dizer ou fazer algo ameaça ou fere os direitos de outros. 

“É muito comum que se use o disfarce da “opinião” para agredir a honra de terceiros, mas o fato é que, se tal “opinião” é dada com o intuito deliberado de ofender e diminuir outrem, caracteriza-se a má-fé naquela relação numa violência verbal, que é algo que se visa evitar na sociedade”, conta Marina. 

A jornalista e professora da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), Leise Taveira considera a distância entre a liberdade de expressão e um insulto imensa, porém, atualmente, não é tão perceptível. A professora Leise, que também é advogada, afirma que a diferença entre um ponto de vista e uma ofensa é percebida com facilidade por um juiz em caso de processo judicial, mas que as pessoas têm dificuldade de perceber isso no cotidiano. 

Em tempos de terraplanismo e polarização extrema, parece que a única forma de os seres humanos se comunicarem têm sido através de urros e grunhidos. A liberdade de expressar um pensamento não pode ser usada como ofensa à privacidade ou à moral de alguém. É isso que a Constituição prevê.

Esclarece Leise. 

O que fazer caso esteja sendo difamado na Internet?

Para a advogada Marina Costa, a primeira medida a ser tomada é reunir provas das ofensas por meio de prints e downloads e, em casos anônimos, tentar identificar o agressor. Com essas informações, a vítima pode registrar um boletim de ocorrência.

Marina ressalta que alguns podem ser feitos na Internet, nos sites de delegacias online, ou em delegacias especializadas em crimes virtuais. Após isto, será aberto um inquérito policial para investigar o crime. A vítima também pode recorrer diretamente à justiça penal e cível com o auxílio de um advogado, caso tenha provas reunidas e conhecimento da identidade do agressor. Contudo, Marina Costa acredita que muitos casos de crimes contra a honra podem ser resolvidos por meio de mediação de conflitos, que, às vezes, pode gerar menos desgaste para a vítima.

Aconselho a inicialmente buscar um diálogo com o ofensor para tentar uma solução amistosa e não conflituosa à questão, visto que, muitas vezes, uma ação judicial gera estresses aos envolvidos. É possível também que o próprio agressor, diante da possibilidade de ser responsabilizado retire o conteúdo da Internet e se retrate com a vítima.

Comenta Marina.

Consequências

Matheus Braga, da OAB/CE, explica que a honra é um bem jurídico resguardado por duas esferas do direito: cível e penal. No campo cível, calúnia, difamação e injúria prescrevem reparação por meio de indenização financeira. Porém, como uma ofensa contra a honra é um crime, o agressor também está sujeito a responder a uma pena de prisão, que pode variar de acordo com o caráter do delito. O advogado ressalta que esses casos, muitas vezes, não geram prisão, por serem penas baixas – o tempo de reclusão é pequeno – e são substituídas por penas alternativas, como prestação de serviços. 

Para a professora Leise Taveira, em geral, há muita impunidade. Ela acredita que quando uma das partes envolvidas é uma pessoa com recursos, é possível que se chegue até o criminoso e que o mesmo responda judicialmente por seus atos, todavia, estes casos são exceções. Leise considera que, na prática cotidiana, a ofensa está naturalizada. 

Crimes como calúnia, difamação e injúria podem causar consequências graves e diversas. A advogada Marina Costa comenta que, além do prejuízo à autoestima e reputação da vítima, no meio digital esses delitos têm potencial para tomar proporções maiores, o que torna difícil mensurar a extensão dos danos causados.

Há grandes chances de fugir do controle de quem publicou e impactar seriamente a vida da pessoa difamada. Como um caso de linchamento ocorrido em 2014, na periferia do município de Guarujá, litoral paulista, em que uma mulher morreu após ser espancada por conta de boatos espalhados em redes sociais. Testemunhas afirmaram que a agressão ocorreu pois acreditavam que a vítima havia sequestrado uma criança para praticar um ritual de magia negra. O caso teve repercussão nacional por ter sido motivado por notícias falsas publicadas na Internet.

Luis Flávio Biolchini, da OAB/RJ, acredita que pode haver uma instrumentalização de crimes contra a honra em prol de crimes mais sérios, que atingem direitos ou bens além da honra. Para o advogado, questões como o bullying – e também sua adaptação virtual, o cyberbullying – podem ter origem e objetivo maior que o desejo de ofender a honra de alguém, pode ser fruto de racismo, homofobia, e outros.

Se há boatos na Internet de que João roubou a padaria e João sofre uma agressão física, não podemos saber exatamente se foi a calúnia que ocasionou este fato ou se é um comportamento cultural de se fazer justiça com as próprias mãos.

Exemplifica Biolchini.

A professora Leise Taveira acredita que o caráter democrático e global da Internet, mais especificamente das redes sociais, não só facilita essa troca de conhecimentos a nível global como também deu voz e se tornou um espaço de fala para muitos, o que facilita casos de crimes contra a honra on-line.

A solução, para Leise, está na educação, para que os usuários passem a ter consciência do poder da Internet e das inúmeras consequências que uma publicação errada pode gerar.

“Acredito que enquanto não houver educação para a utilização dos inúmeros recursos tecnológicos, será possível provocar dor de ordem moral em qualquer um, a partir de qualquer ponto do planeta e sem maiores consequências para o autor de tal conduta”, afirma Leise.

cyberbullying
O cyberbullying, infelizmente, é uma prática bem comum na Internet. | Foto: Unsplash.

O peso de uma opinião

No final de maio, a lutadora profissional japonesa Hana Kimura, de 22 anos, cometeu suicídio após receber inúmeras mensagens de ódio em suas redes sociais. Hana era participante do reality show japonês Terrace House, produzido pela Fuji TV, em parceria com a Netflix, e veiculado internacionalmente. Segundo relatos na Internet, a lutadora passou a ser assediada virtualmente após a veiculação de um episódio que mostrava uma briga entre ela e outro participante. 

O programa acompanha a vida de seis pessoas – três homens e três mulheres, normalmente com idade entre 18 e 30 anos – que moram juntos em uma casa e vivem suas vidas normalmente. Além de mostrar o dia a dia dos participantes, Terrace House conta com um painel de seis comentaristas, praticamente os mesmos há quatro temporadas e todos ligados à indústria do entretenimento japonesa, que analisam e discutem o episódio. 

Na última parte lançada na Netflix internacional, em abril deste ano, a participante Emika Mizukoshi decidiu sair do programa após ser duramente criticada pelos apresentadores, com comentários ofensivos disfarçados de piada e opinião. A jovem de 22 anos foi chamada de falsa, manipuladora e cínica por um comentarista que dizia abertamente que não gostava da participante. Após a morte da colega, Emika compartilhou em uma rede social que também havia recebido mensagens de ódio na Internet. 

A Fuji TV informou que a  temporada atual (Tokyo 2019-2020) foi cancelada. O perfil do programa no Twitter disse que eles levam o caso muito a sério e, por isso, decidiram encerrar a produção atual. Segundo reportagem da BBC Ásia, há chances do programa Terrace House ser cancelado, sem novas temporadas. 

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Por Caroline Névoa – Fala! PUC – RIO

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