Parece haver, hoje, um delírio coletivo nas altas cúpulas do poder Executivo: a ordens do Presidente da República, as Forças Armadas prontamente fecharão o STF e o Congresso. Não é claro como funcionaria a intervenção, o que se faria com os Deputados, Senadores, ministros do STF, jornalistas? Não se sabe; e é alarmante quando nem mesmo os carrascos sabem como será feita a execução.
Mas deixemos isso de lado, por enquanto, vamos aos fatos recentes. Os últimos dias foram de uma ruidosa garrulice dos golpistas. Disseram, em nota, Bolsonaro, Mourão e Fernando e Silva:
– Lembro à Nação Brasileira que as Forças Armadas estão sob a autoridade suprema do Presidente da República, de acordo com o Art. 142/CF.
– As mesmas destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.
– As FFAA do Brasil não cumprem ordens absurdas, como p. ex., a tomada de Poder. Também não aceitam tentativas de tomada de Poder por outro Poder da República, ao arrepio das Leis, ou por conta de julgamentos políticos.
– Na liminar de hoje, o Sr. Min. Luiz Fux, do STF, bem reconhece o papel e a história das FFAA sempre ao lado da Democracia e da Liberdade.
Presidente Jair Bolsonaro; Gen. Hamilton Mourão, Vice PR; Gen. Fernando Azevedo, MD.
Uma nota digna dos assinantes. Hoje, o STF é quem decide, em última instância, a legalidade do que se passa na República. A nota diz que as Forças Armadas “não aceitam tentativas de tomada de poder por outro poder da República, ao arrepio das Leis, ou por conta de julgamentos políticos.”.
Então, seriam as Forças Armadas a 5ª instância a se apelar quando a decisão do STF não agrada? Quem decide quais decisões estão “ao arrepio das leis”? Não sendo o STF, seria o PR ou as Forças Armadas? Pode, então, o Presidente, sempre que quiser, em sua “autoridade suprema”, convocar as Forças Armadas para que elas julguem os juízes?
A linha de raciocínio é de tal sorte absurda que Dilma poderia ter convocado as Forças Armadas para fechar o Congresso antes do seu Impeachment. Afinal, fosse como é dito na nota, e não o STF a decidir o que pode e não pode ser feito, de acordo com a constituição, ficaria o Brasil submetido ao arbítrio do governante da vez. A nota sequer faz sentido em si, a consequência lógica é absurda.
O Golpe de 2020 poderá ocorrer?
Foi publicada no dia 13, como resposta ao determinado pelo ministro do STF Fux, que disse serem as Forças Armadas órgãos de Estado, e não de governo, indiferentes às disputas que, normalmente, se desenvolvem no processo político. Perfeito!
Na noite do dia 16, o Presidente falou em redes sociais que não pode “assistir calado enquanto direitos são violados e ideias são perseguidas”. Não disse ao que assistia. Supõe-se que ele fala da investigação ao financiamento de protestos antidemocráticos, haja vista o aprisionamento de Sara Winter e cia ontem (16).
Quando li, pensei com meu botões: está o homem que defende torturadores, de repente, apaixonado pela ideia abstrata de liberdade? Teria ele virado um libertário? O tempo dirá.
E disse, hoje (17), Bolsonaro falou em frente ao Alvorada duas vezes:
Eu não vou ser o primeiro a chutar o pau da barraca. Eles estão abusando. Isso está [a] olhos vistos. O ocorrido no dia de ontem, no dia de hoje, quebrando sigilo de parlamentares, não tem história nenhuma visto numa democracia por mais frágil que ela seja. Então, está chegando a hora de tudo ser colocado no devido lugar.
Mais tarde disse:
Têm abusos acontecendo e conseguem acusar a mim ainda. Mas importante que as mídias sociais, hoje em dia, mostram a verdade. E, brevemente, tudo estará resolvido. Pode ter certeza (…) É igual [a] uma emboscada. Você tem de esperar o cara se aproximar. ‘Vem mais, vem jogando ovo e pedra’. Falei hoje de manhã: não quero medir força com ninguém. Continua vindo.
Ainda comentou sobre o julgamento da sua chapa no TSE. Remetendo ao que disse o General da ativa Luiz Eduardo Ramos, membro do Governo, quando ameaçou dar golpe, se esticada a corda, Bolsonaro afirmou que não admitirá um “julgamento político”, o que seria “esticar a corda”.
Se já não era óbvio, Bolsonaro entrega sua estratégia: agir como em “uma emboscada”. Não se pode “chutar o pau da barraca antes”. Provocar, aos poucos, reações mais duras, por exemplo, do STF, apenas para que haja uma desculpa, e então, com o “abuso” do adversário, a “hora de tudo ser colocado no devido lugar” chega.
Ou seja: a hora do autogolpe. Se em 37 e 64 se poderia dizer que os comunistas eram uma mal maior, agora o mal maior são as instituições democráticas em seu pleno funcionamento. Seu ímpeto autoritário tem a própria democracia como inimiga.
Enfim, se tornaria concreto o sonho do Presidente.
A emboscada não funcionará. A população não está ao lado do Presidente. As Forças Armadas, as que tem tropas e tanques, não estão ao lado do Presidente. A realidade não está ao lado do Presidente.
Bolsonaro sabe – ou deveria saber – disso tudo. Sua esperança está nos policiais estaduais, os mesmos pusilânimes que organizaram greves ilegalmente e deixaram a população dos estados nas mãos dos bandidos, há não muito tempo.
De volta ao início: o problema, para Bolsonaro, não está nem mesmo em dar o golpe. Pode muito bem acontecer das polícias embarcarem nessa jornada, ou, que seja, as Forças Armadas. Guerra civil, sangue derramado, censura à imprensa, prisão de ministros do STF e dos congressistas. E depois?
O que fará o Brasil sem parceiros comerciais, sem investimento externo, sem respeito mundial? Já não haveria contra o que lutar e, finalmente, seria a hora de Bolsonaro governar o país, como até agora evita. Seria assim, não fosse o presidente quem é. Ele sempre escolherá lutar contra sua própria sombra antes de agir como deve um governante.
O ponto positivo será, é evidente, a reabertura do comércio em todo o país e, com isso, o pódio de casos curados da Covid-19, como gostam de falar por aí, que será simultâneo (quem diria!) com o isolado e solitário primeiro lugar em número de corpos enterrados.
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Por Luis Soares – Fala! UFPE