A relação entre Histórias em Quadrinho e os tempos em que são produzidas é muito nítida. Durante a Guerra Fria muitas histórias já conhecidas se popularizaram, geralmente, pelo contexto ideológico aos quais elas faziam referências. Como produto cultural, servem demais para influenciar gerações, para construção de ideários e criação de certos estereótipos.
Vou listar algumas HQs que representam um pouco desse momento cultural, representado profundamente em certos personagens. No fim, quero falar com um pouco mais de espaço sobre uma HQ primordial para entender o processo da Guerra Fria dentro desse universo.
Relação entre personagens de HQs e a Guerra Fria
Marvel
Vi que meus colegas apontaram os personagens Hulk e que compõem o Quarteto Fantástico. Gostei das pontuações que eles fizeram e quero acrescentar um pouco do que eu conheço sobre.
Hulk
O Incrível Hulk, lançado em 1962, (como disse João Farah), além de abordar também espionagens, é um fruto claro da tensão atômica. Tanto é que, de um experimento nuclear, surge um monstro destrutivo tanto para dentro quanto para fora do território. Em HQs posteriores, é revelado que o poder do personagem chega a ser equivalente a explosões de estrelas, ou seja, a capacidade guardada nele conseguiria destruir o mundo muito facilmente. Sendo assim, no meu ponto de vista, o Hulk é uma analogia quase que escancarada da bomba atômica.
Quarteto Fantástico
O Quarteto Fantástico é um grupo muito conhecido também, surgiu um ano antes do incrível Hulk, mas foi criado pelo mesmo roteirista: Stan Lee. A equipe é um relato evidente da corrida espacial, na qual americanos não só chegam primeiro ao espaço, mas também adquirem poderes extraordinários. E, a partir desses poderes, eles se defendem de monstros advindos do espaço (um medo também que havia em se explorar os confins do universo, parecido ao medo dos navegadores de que haviam criaturas horríveis habitando no mar) e de vilões, quase sempre de outras nacionalidades.
Mutantes
Já os famosos Mutantes, relatam as “aberrações” que a radiação atômica podia causar. Essa palavra era um termo científico usado para se referir às vítimas da tragédia de Hiroshima e Nagasaki.
Outro ponto importante que vale a pena ressaltar são os conflitos raciais presentes na HQ e que têm relação direta com a época da Guerra Fria, pois o racismo presente na cultura norte-americana sempre foi um dos aspectos negativos levantados pela URSS. E, além de tudo, o grupo é visto como estrangeiro dentro do território americano, por isso, vivem isolados, tratam de se esconder.
Continuando na editora Marvel, comentarei a respeito de mais três personagens, que ficaram mundialmente conhecidos por estarem presentes nos filmes dos Vingadores.
Viúva Negra
A Viúva Negra, famosa personagem dos cinemas e das HQs, é uma espiã russa. Um fato interessante sobre ela é que ela é, possivelmente, a única descendente da família Romanov.
Outra coisa curiosa acerca dela é que ela é muito solitária, gatuna e cheia de mistérios. É um estereótipo completo e até bem-sucedido de um russo naquele período. Tanto é que há sempre uma desconfiança sobre a personagem, por não saberem ao certo o passado dela e, acima de tudo, por mais que ela tenha deixado a “mãe Rússia” para trás, ela não é genuinamente americana.
Homem de Ferro
Já o Homem de Ferro, mostra a “vitória e a capacidade” do capitalismo. A famosa frase “gênio, bilionário e filantropo” é quase um curto manifesto sobre o que o capitalismo queria vender ao mundo como ideologia: a produção de pessoas inteligentes, ricas e altruístas.
Até a arrogância do personagem sempre prevalece principalmente pelo fato de ele se achar superior aos outros, com uma visão de mundo mais ampla.
Capitão América
Durante a Guerra Fria, o Capitão América também conquistou muita popularidade. A luta dele contra a Hydra – agência secreta de espiões que visavam tomar o mundo – mostra uma “luta” mais “quente” contra a expansão de uma ideologia “nociva”.
É um relato ideológico quase que cultural de uma luta dos EUA contra a URSS. Não é à toa que o maior vilão do Capitão é o Caveira Vermelha, principal cor da bandeira comunista.
DC Comics
Mudando de editora, a DC apresentou menos HQs que representassem essa guerra que tomava o mundo, contudo, os produtos dela pareciam mais críticos ao capitalismo.
Watchmen
O clássico Watchmen é uma HQ ácida que relata o extremo oposto do que a Marvel ia, aos poucos, construindo como pontos fortes do capitalismo. A ideia de um sonho americano derretido em um convívio social perdido, atordoante e colapsado. As desigualdades como fraturas expostas e “heróis” moralmente questionáveis, cheios de suas paranóias e conveniências a erros.
O personagem Dr. Manhatam, que acidentalmente se tornou um “deus” por causa de experimentos nucleares, ganha consciência do horror daquela sociedade e do mundo no geral. Assim, ele, aos poucos, se torna alheio e vê que a humanidade e suas ideologias não valiam a pena o esforço de uma salvação.
O Comediante é um escárnio muito claro ao “sonho americano” e à ideia de uma evolução social e a produção de uma sociedade onde todos alcançariam tudo.
Superman
Por fim, quero falar sobre uma das histórias mais clássicas do Superman. A HQ em questão é Superman: Entre a Foice e o Martelo. São tantos pontos incríveis nela que a fazem quase que perfeita. A primeira é a subversão no conceito do Superman. No lugar de carregar as cores da bandeira americana no uniforme, ele é da URSS e carrega o símbolo comunista no peito.
A publicação de Mark Millar e Dave Johnson mostra uma realidade alternativa onde o foguete do último sobrevivente de Krypton caiu na União Soviética comunista ao invés dos EUA – e o Superman torna-se o herói do socialismo. A publicação, que se passa mais ou menos entre 1953 e 2001, mistura versões alternativas de heróis da DC com versões alternativas de figuras políticas reais, como Joseph Stalin e John F. Kennedy.
E só essa inversão gera muitas questões sobre a história. Um ponto de virada na HQ é quando o Superman, que era visto como uma arma ambulante da URSS (ele ficava sobrevoando o mundo, de olho em construções de armas por parte dos EUA), salva uma criança em território americano. A população ao redor fica surpresa com a atitude do herói e, então, ele larga a figura de um inimigo. Com a morte de Stalin, ele passa a ser cotado para ser o novo grande líder da URSS, mas abre mão disso ao ver os danos que a população sofria com a opressão do regime e a fome.
Então, dele deixa de figurar como um membro da URSS e passa a ser um tratado de “paz” ambulante, que media os conflitos.
_____________________________
Por Gustavo Magalhães – Fala! PUC – RIO