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Crítica: ‘Retrato de uma Jovem em Chamas’ e o mito de Orfeu e Eurídice

Em seu mais novo filme, Retrato de uma Jovem em Chamas (2019), Céline Sciamma retrata, além de uma relação entre duas mulheres, a relação entre artista e musa inspiradora, com diversas analogias ao mito grego de Orfeu, um jovem músico, e Eurídice, sua inspiração e grande paixão. 

critica Retrato de uma Jovem em Chamas
Filme Retrato de uma Jovem em Chamas (2019). | Foto: Reprodução.

Esta matéria contém spoilers

No mito, Orfeu e Eurídice, perdidamente apaixonados, resolvem se casar. Porém, antes do casamento, Eurídice, ao tentar fugir de um admirador, é mordida por uma cobra e acaba morrendo.

Desolado, Orfeu vai ao mundo dos mortos pedir para que Hades e Perséfone deixem-no buscar sua amada para que eles possam viver juntos. Tocados com a história, os governantes do reino dos mortos deixam que o apaixonado vá atrás de sua amada, mas com uma condição: que ele não olhasse para ela até eles voltarem para o mundo dos vivos.

Quando estavam quase chegando no portal para a terra, Orfeu resolveu conferir se sua amada realmente estava o seguindo. Ao desobedecer as ordens dos soberanos do mundo inferior, Eurídice fica presa lá, sem previsão de volta.

No filme, a artista Marianne (Noémie Merlant) é contratada por uma condessa (Valeria Golino) para pintar um retrato de sua filha Heloïse (Adèle Haenel) que será entregue a seu futuro marido. O retrato, no entanto, tem que ser feito às escondidas, pois a jovem se recusou a posar para outros 2 artistas que passaram pela casa antes de Marianne. 

Por conta disso, a pintora chega na casa falando ser a dama de companhia de Heloïse, que tinha sido proibida de sair sozinha após a morte de sua irmã. Com o passar do tempo, as jovens começam a se aproximar cada vez mais, criando uma grande tensão sexual entre elas.

Marianne, ao terminar a pintura, mostra-a para Heloïse, que não gosta do quadro por achá-lo sem essência, mas, surpreendentemente, aceita posar para que a jovem artista faça um novo retrato. A partir desse momento, a relação delas começa a ficar mais íntima, engatando em um romance.

Antes de Marianne chegar, Heloïse não conhecia a liberdade. A garota preferia viver em um convento a se casar com um homem que não conhecesse, estava presa dentro de casa pelo medo da mãe de deixá-la sair, é como se ela estivesse vivendo em um inferno interior. Marianne, por outro lado, era uma jovem que sempre escolheu tudo em sua vida e é exatamente essa diferença que as une.

A direção cuidadosa de Sciamma faz com que o espectador veja a obra como um quadro em desenvolvimento, se atentando aos mínimos detalhes de ambas protagonistas e de seu relacionamento, seja as manias de cada uma ou uma pose de Heloïse que mais para frente irá ser recriada por Marianne, ou seja a saliva trocada nos beijos entre as duas e o jeito que uma enxerga a outra depois de momentos íntimos.

Metáforas vão se tornando cada vez mais claras de que a pintora está libertando a jovem com a sua própria liberdade. Quando Heloïse pega fogo, a cena é literal e simbólica ao mesmo tempo.

Diferente de Orfeu, Marianne conseguiu libertar sua amada do mundo dos mortos que, neste caso, era seu próprio inferno, mesmo que para isso ela tenha que ter deixado Heloïse ir.

As duas últimas sequências mostram que, por mais que elas não estejam mais juntas, elas levam parte da outra dentro delas para sempre e, o mais importante: para ser libertada, Heloïse precisou ser vista por alguém que a amasse.

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Por Melissa Marques – Fala! Mack

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