A chegada de refugiados políticos ao Brasil se tornou uma questão nacional. Conheça a história de fuga de um deles
Segundo Comitê Nacional para os Refugiados, em 2017, 53% das solicitações de refúgio no Brasil vieram de venezuelanos. Na cidade de São Paulo há cerca de mil refugiados, principalmente na região de São Mateus, onde vivem aproximadamente 200. Em meio a tantos números, encontra-se Yoleidys Díaz, natural de Valencia, capital de Carabobo, na Venezuela. Ela é uma refugiada que, agora, vive também em São Mateus.
Sorridente e carismática, Yoleidys conta sua história em um clássico lugar paulistano: O Mercado Municipal, em um dia muito importante, em que ela conseguiu sua carteira de trabalho. Mesmo tendo nascido a 6.200 km de São Paulo e estando aqui desde 23 de fevereiro, Yoleidys não é tão diferente de nós brasileiros. Se veste com calça e jaqueta jeans e uma camiseta vermelha, roupas habituais do nosso dia-a-dia e já visitou vários pontos típicos da cidade, como a rua 25 de Março, ficando fascinada pela diversidade de seus produtos.

Aos seis anos, a venezuelana perdeu a mãe e passou a morar apenas com o pai e irmãos. Cursou administração e começou a trabalhar aos dezenove anos com auditoria externa para empresas. Formou-se também, posteriormente, como contadora. “Eu tinha minha própria firma de contabilidade”, ela conta. Nesse período de desenvolvimento pessoal, ela casou com Alexandro Díaz, que também é um venezuelano refugiado no Brasil. Eles viajavam, tinham seus próprios carros e aprenderam novas línguas, inglês e alemão. Engenheiro, Alexandro trabalhava na maior empresa de petróleo do seu país, a Petróleos da Venezuela S.A.
No entanto, com os desenlaces do governo de Nicolás Maduro desde 2013, sua estável vida começou a mudar completamente. Com a crise, Alexandro perdeu o emprego e foi trabalhar em uma oficina de carros. A mulher também não conseguiu manter o escritório e tornou-se administradora dessa mesma oficina que, por sua vez, também teve que fechar. “Aumentou o preço da pintura, não podíamos pagar os funcionários”
Desestruturado financeiramente, em fevereiro de 2018, Alexandro decidiu buscar refúgio no Brasil, sozinho, morando por 8 meses em Boa Vista (RR). “ [Alexandro] ficou 2 meses na rua, roubaram tudo dele, pedia comida em restaurantes, depois de ter se formado engenheiro e ter trabalhado na maior empresa da Venezuela”, Yoleidys desabafa.
Finalmente, uma associação em Boa Vista o levou para um abrigo para que ele pudesse passar pelo processo de interiorização. Chamado de Comitê Federal de Assistência Emergencial, esse programa do governo busca realocar os refugiados venezuelanos para outras partes do país, a fim de não sobrecarregar Roraima.
Assim, Alexandro foi para São Paulo, onde vive desde outubro de 2018. Desde então, estabeleceu contato com ONGs e grupos que o ajudaram a se reerguer emocional e economicamente. Conseguiu uma casa em São Mateus, onde morou sozinho por um tempo, e um emprego na área de informática.
Um desses grupos que auxiliam os refugiados é a Associação de Venezuelanos, que surgiu em junho de 2018 em Roraima e foi se espalhando pelo país, tendo ajudado Yoleidys em sua adaptação no Brasil. “A Associação se encarrega da luta por direitos trabalhistas, por direitos humanos (…) [tem] parceria com algumas universidades para a validação dos diplomas dos imigrantes”, conta César Barrios, coordenador da Associação.
Paralelamente, Yoleidys e a família continuavam no caos da Venezuela, graças à hiperinflação, desemprego e à crise de desabastecimento. Ela conta que havia uma espécie de rodízio para fazer compras nos mercados, em que cada pessoa só podia frequentá-los uma vez por semana. Elas eram numeradas e precisavam esperar sua vez desde às 3 da manhã do dia anterior ao que poderiam, enfim, fazer suas compras. Mesmo assim, nunca saíam de lá com os carrinhos cheios. Os alimentos eram racionados, sendo possível adquirir somente 1 kilo de itens básicos, como arroz e farinha. “Aqui pode comprar todos os dias o que quer, lá não’’.

Para Yoleidys, o estopim da crise foi o desabastecimento de remédios. De acordo com a Cámara de la Industria Farmacéutica, os laboratórios estão produzindo com apenas 30% de sua capacidade. Ela tem pressão alta e precisa de medicamentos para controlar essa condição. “Houve um momento que não dava para comprar os remédios, eu me sentia mal. Estava ao ponto de ter um infarto”, relembra. Decidiu pedir refúgio no Brasil para ficar ao lado do marido.
De sua cidade à fronteira brasileira foram quatro dias de ônibus. “A viagem é fortíssima, forte (…) Você pode pegar um avião (…) porém é caro”, conta. Ao chegar na fronteira, a Polícia Militar checou se sua documentação estava correta e ela pôde entrar no Brasil. Enquanto esperava que o marido enviasse dinheiro e a passagem para viajar a São Paulo e encontrá-lo, Yoleidys ficou em um abrigo para refugiados. “… não é fácil estar em um abrigo, tem que dormir com outras pessoas que não conhece, usar o banheiro com outra gente, ficar atento com suas coisas, se não roubam. (…) queria sair correndo de lá”.
Na capital paulista, sua realidade mudou drasticamente. Enquanto na Venezuela Yoleidys tinha seu próprio apartamento, neste novo país ela mora em um apartamento alugado. Seus locatários foram essenciais para sua adaptação. “Não tínhamos nada, então eles nos deram a cama, o armário, uma mesa para comer. Nos ajudaram muito.”
Menos de um mês depois de conseguir sua carteira de trabalho, Yoleidys foi empregada na sua área de atuação, administração, em uma empresa de produção de resinas. Segundo o Ministério do Trabalho, entre setembro de 2017 e julho de 2018, 14,3 mil venezuelanos tiraram a carteira de trabalho. Yoleidys também tirou, porém não foi fácil. O processo foi burocrático e demorado, mesmo com o auxílio do marido e de ONGs para refugiados para conseguir esta documentação. “É difícil para estrangeiros o processo”.
A rotina com o trabalho mudou. Agora, Yoleidys dedica boa parte de seu dia para conseguir melhores condições. Porém antes, enquanto ainda estava à procura de um sustento, sem dinheiro para pagar uma academia, como fazia na Venezuela, depois de levantar, caminhava e ia ao mercado e à feira perto de sua casa às sextas.
“Eu amo a feira, porque vendem frutas espetaculares, eu amo os peixes que vendem”, ela conta animada. Enquanto fala sobre as frutas, um vendedor do Mercado Municipal nos oferece tâmara e pitaya e Yoleidys se alegra, pois se apaixonou pela tâmara quando chegou ao Brasil. Também relata de outras vezes que foi ao ‘Mercadão’ e se encantou com a variedade de alimentos.
Falando da família, ela se emociona, por sentir muita falta dela. “Deixar toda a sua vida, mudar tudo, chegar a outro país, não tem nada, só a mala que traz com suas coisas, é difícil”. Além das saudades, ela também sofre com outras dificuldades, como a língua. “…eu entendo, mas para eu poder me expressar é um pouquinho difícil (…) as coisas têm nomes totalmente diferentes, não sei se estou insultando as pessoas”.
Houve outros empecilhos que, mesmo tendo se resolvido, foram uma surpresa no começo, como as moedas que, no Brasil, têm valores muito diferentes, e o Bilhete Único, pois não existe algo do tipo na Venezuela, apenas tickets para usar os transportes públicos.
O processo de refúgio não tem se mostrado apenas negativo. Ela sentiu-se acolhida de cara pelos brasileiros. Durante a entrevista, Yoleidys repara que todos no ‘Mercadão’ conversam muito e repartem comida, o que ela vê como um fator positivo do povo brasileiro. “Vocês são legais, sociáveis, se quer ir a algum lugar, te ajudam, aqui sempre te ajudam”. A relação com esse novo povo tem a feito mais comunicativa: “Antes não era, porque não necessitava (…) busco me integrar mais com as pessoas, me integrar com [outros] refugiados”. Além disso, ela consegue seus medicamentos para a pressão gratuitamente nos postos de saúde.
Yoleidys está otimista com a nova fase no Brasil, mesmo falando sobre suas expectativas com preocupação. ”[Pretendo] me estabelecer no país, ter uma vida, uma família. Não tenho filhos por causa da situação na Venezuela”. A curto prazo, ela pretende sair de São Mateus, se mudar para um local mais próximo do centro da cidade.
Yoleidys é muito grata pelo papel do Brasil neste processo, oferecendo segurança, apoio e a documentação necessária para que ela seja uma imigrante legal no país. “Eu agradeço o Brasil por tudo que fizeram por mim e pelo meu esposo, nos salvou a vida, a ele e a mim”.
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Por Ana Carolina Idalençio, Iris Chadi e Maria Eloisa Barbosa – Fala! Cásper