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Veja os 5 contos de fadas nada encantados e suas origens

Em 1937, Walt Disney iniciou uma nova era na história dos contos de fadas com a animação Branca de Neve e os Sete Anões, conquistando com suas músicas cativantes, personagens fortes e mensagens de amor, amizade e esperança. As versões originais dos contos, contudo, eram bem diferentes. Além da presença de personagens recorrentes como madrastas más, crianças órfãs e bruxas, eles eram recheados de assassinatos, canibalismo e estupros, baseados em situações corriqueiras da Europa das Idades Média e Moderna, período de popularização dos contos.

Uma de suas características marcantes, excluída de versões infantis, é o canibalismo. Esse era um dos únicos meios de sobrevivência dos mais pobres em países como a Inglaterra, onde haviam feiras de carne humana nos séculos 11 e 12, e a França, que sofreu períodos de grandes fomes entre 1693 e 1710, levando mais de 2 milhões de pessoas à morte.

As bruxas também eram uma realidade na Europa dos séculos 15 e 17, período que levou mais de 45 mil pessoas à tortura e à morte. Nas histórias, elas são seres maléficos e capazes das maiores atrocidades, mas na vida real eram, em sua maioria, mulheres com mais de 50 anos, viúvas e acusadas por qualquer coincidência infeliz, como uma simples discussão entre vizinhas.

Também entre os séculos 16 e 18, 23 a cada mil mulheres morriam no parto (a maior taxa atual pertence ao Sudão do Sul, com 1,15 para cada mil, segundo a OMS). Assim, 70% dos homens casavam novamente e as madrastas tendiam a privilegiar seus filhos biológicos aos enteados, uma vez que tinham mais crianças do que era possível sustentar.

Mesmo com tantas tragédias, muitos dos contos têm origens inacreditáveis, como Cinderela e Bela Adormecida, baseados em contos milenares, ou Branca de Neve, que surgiu com a morte súbita de uma jovem nobre alemã.

Veja 5 contos com finais macabros e origens inusitadas

Cinderela

origem cinderela
Capa do livro Cinderella – And Other Girls Who Lost Their Slippers, por Amelia Carruthers. | Foto: Amazon.

A história original da jovem que perde o sapatinho é uma das mais antigas do mundo, remetendo ao conto grego Rodophis, documentado por Strabo no ano 7 a.C. Nele, uma escrava grega tem suas sandálias roubadas por uma águia, que as leva até o rei do Egito. Encantado por sua beleza, ele parte em busca da mulher a quem elas pertencem, tomando a escrava grega como esposa e rainha do Egito.

O conto também existe no folclore árabe e asiático. Neles, o responsável por conceder os desejos da protagonista é o espírito da mãe morta ou um ser da natureza. Foi apenas no século 19 que os Irmãos Grimm criaram a Fada Madrinha.

Quem introduziu Cinderela à cultura europeia foi o italiano Giambattista Basile, em seu livro de contos Pentamerone, de 1634. Posteriormente, Charles Perrault escreveu a versão francesa, sucedido pelos alemães Jacob e Wilhelm Grimm.

Na versão italiana, muito próxima da que conhecemos hoje, Zezolla reclamava constantemente de sua madrasta para sua governanta que, um dia, manda a jovem matar a madrasta.Assim, torna-se a nova madrasta e, junto de suas filhas, força Zezolla a viver nas cozinhas, onde recebe o nome Cenerentola.

Um dia, seu pai parte em uma viagem, retornando com uma semente de uma fonte mágica, que a garota cultiva até surgir uma árvore com forma de mulher. Quando ela é impedida de ir a uma grande festa de três noites no palácio, chora ao pé da árvore, que a presenteia com vestidos e sapatos de ouro.

Na festa, o Príncipe se apaixona pela jovem, que perde um dos sapatos na terceira noite. Assim, ele manda que todas as mulheres do reino experimentem o sapatinho encantado, que pula para o pé de Zezolla, revelando sua identidade. Durante o casamento, pombas arrancam os olhos da madrasta e suas filhas.

O objeto perdido muda nas diferentes versões, sendo um anel, um bracelete, uma tornozeleira ou um sapatinho de ouro, couro ou pelo. Foi Perrault quem introduziu o sapatinho de vidro à história, em 1637. Já seu desfecho, com exceção da versão da Disney, sempre é cruel com a madrasta e/ou as irmãs que, na versão alemã, cortam os pés para caberem no sapatinho. Já na versão árabe, há uma reviravolta e a protagonista é assassinada.

Rapunzel

princesas da disney
Arte conceitual de Enrolados. | Foto: Claire Keane.

Mais conhecida pela versão alemã dos Irmãos Grimm de 1812, a história da jovem de cabelos longos tem origem nos contos Petrosinella, de Giambattista Basile, e Persinette, da francesa Charlotte-Rose de Caumont de La Force, de 1698.

Na versão de Basile, uma mulher grávida é surpreendida ao roubar um ramo de salsa da horta de uma ogra, que sequestra o bebê ao nascer e tranca em uma torre, dando-lhe o nome de Petrosinella. Anos depois, um Príncipe vê o cabelo da jovem ao vento e passa a visitá-la, até que decidem fugir. Quando a ogra descobre e parte em perseguição ao casal e Petrosinella usa três nozes mágicas, que roubou da cozinha da torre para despistá-la. A terceira se transforma em um grande lobo que termina por devorar a ogra. Por fim, o Príncipe se casa com a protagonista.

Um pouco diferente, a versão Persinette, de La Force, conta que um homem invade a horta de uma bruxa para aplacar o desejo de sua esposa grávida. A principal diferença nessa versão é a bruxa usar os cabelos da jovem para depositar partes de sua alma e continuar jovem para sempre. Quando o Príncipe se apaixona por seu canto, Persinette engravida e a bruxa descobre tudo, corta seus cabelos e a mata. Assim, a bruxa atrai o Príncipe ao alto da torre só para jogá-lo da janela em cima de um espinheiro, matando-o também.

O nome da protagonista surgiu como referência àquilo que é roubado, inicialmente, significando salsa, nas versões italiana e francesa, e alface-da-terra, na versão alemã, Rapunzel, nome mantido apesar de algumas versões relatarem o roubo de um rabanete.

Algumas versões da história misturam elementos dos contos principais com a gravidez terminando no sequestro do bebê no final, o príncipe ficando cego pelos espinhos e a jovem banida para o deserto. Por vezes, seu canto atrai o príncipe e suas lágrimas devolvem-lhe a visão e, por outras, os dois terminam vagando sozinhos. A versão de 2010 da Disney também mescla diferentes aspectos, como os cabelos mágicos da versão francesa, a fuga da versão italiana, a quase morte do príncipe e seu restauro por meio das lágrimas da jovem.

Bela Adormecida

verdadeira história da bela adormecida
Bela Adormecida da série de desenhos Twisted Princess. | Foto: Jeffrey Thomas (Devianart: jeftoon01).

A história da jovem destinada a dormir por toda a vida é uma das mais conhecidas da atualidade. Sua origem vem do mito nórdico do século 4 d.C., Brunhild, uma valquíria presa a um espinho do sono pelo deus Odin até ser despertada por um homem que não conhecesse o medo.

No século 14, surgiu sua versão francesa Perseforest. Ela conta a história da princesa Zelladine que se apaixona por um camponês, Troylos. Ele é enviado em uma missão perigosa para se provar digno desse amor e logo depois Zelladine desaparece ao ser enganada por um Feiticeiro.

Quando Troylos retorna, encontra a princesa adormecida em um castelo de espinhos, então, a estupra. Quando ela dá à luz a gêmeos, um menino e uma menina, um deles morde seu dedo, arrancando junto um anel enfeitiçado que a fazia dormir. Zelladine acorda e se casa com Troylos, mas eles são obrigados a fugir do reino pelo Feiticeiro, que havia roubado o trono. Só após suas mortes, ele é derrotado pelos gêmeos, que casam um com o outro para governarem lado a lado.

Já Basile, escreveu a versão italiana em 1634, contando a história de Tália, que adormece depois que um fio de linho entra embaixo de sua unha, como previsto pela profecia a qual era destinada. Então, seu pai a abandona em uma casa no campo, onde é encontrada e estuprada por um Rei anos depois.

Os bebês gêmeos nascem enquanto ela dorme e chupam seus dedos, arrancando o fio e despertando-a. Quando o Rei descobre a jovem desperta, promete casar-se com ela, apesar de já ter uma esposa. Quando a Rainha descobre tudo, ordena a morte dos bebês, cozidos para o jantar do Rei, e a execução de Tália. Contudo, o Rei descobre o plano da esposa, salva as crianças e casa com Tália, jogando a Rainha e seus filhos na fogueira depois.

A versão de Basile serviu, novamente, como inspiração para Perrault (1697) e para os Grimm (1812). O francês foi responsável por incorporar as fadas madrinhas, a Bruxa, a maldição e instituir o prazo dos cem anos de sono antes de despertar com um beijo, poupando os detalhes. Ele também continua a história, com a mãe do Príncipe matando nora e netos, semelhante à Rainha de Basile. Já o conto dos Irmãos Grimm, termina quando a princesa Rosamund desperta, casando logo em seguida.

O nome Aurora que a princesa leva nas versões modernas foi, por sua vez, dado por Tchaikovsky em seu balé. Já a versão animada da Disney de 1959, usa nomes diferentes para diferentes fases da vida da princesa, Aurora e Rosa (diminutivo de Rosamund).

Chapeuzinho Vermelho

Chapeuzinho Vermelho
Chapeuzinho Vermelho. | Foto: Pinterest.

O conto da garotinha de capa vermelha que visita a avó na floresta tem muitas versões e finais diferentes. A mais conhecida foi escrita por Charles Perrault no século 17, sob o nome Le Petit Chaperon Rouge, e depois reescrita pelos Irmãos Grimm, no século 19, com o título de Rotkäppchen. Contudo, há registros dessa história no folclore francês desde o século 10.

As primeiras versões são muito parecidas com a de Perrault. Nelas, a jovem gentil e ingênua é enviada pela mãe à casa da avó que está doente, com o aviso de que não se distraia nem fale com estranhos. Porém, no caminho, ela conhece o Lobo, que se mostra amável e prestativo e sugere que a garota colha flores para levar à avó.

Assim, ele se adianta, invade a casa da avó e a mata. Quando a jovem chega, o Lobo lhe oferece um banquete feito com a carne da avó, que ela come sem desconfianças. Ao terminar de comer, ele pede que a jovem tire suas roupas e ateie na lareira, dizendo que a noite era fria e não havia mais lenha. Assim, a força a subir na cama, a estupra, mata e, então, come sua carne.

A princípio, a garota não usava capa nem capuz, mas quando Perrault mostrou a história ao Rei Luís XIV, ele insistiu que a garota usasse uma capa vermelha. Era coloquialmente dito que uma garota que perdia a virgindade havia “visto o lobo”, então, a capa vermelha queimada seria uma referência à virgindade tomada à força, o que divertia súdito e prostitutas do monarca, que contava a história em suas festas.

Em diferentes versões a jovem consegue escapar antes de ser morta, por vezes salvando a avó, que estava escondida. Outras, mostram uma protagonista vingativa, que escapa para, mais tarde, matar o Lobo com uma pedra na cabeça. E há versões que mostram um Lobo preguiçoso, que dorme e dá a chance à jovem de salvar a avó, abrindo a barriga dele e enchendo-a de pedras.

O caçador bondoso que resgata avó e neta é um personagem que só foi adicionado ao conto em 1812, com a versão dos Irmãos Grimm. Há também uma variante do final do século 19 escrita pelo escocês Andrew Lang, que diz que a menina foi salva quando o Lobo tentou devorá-la e teve a boca queimada por seu capuz de ouro encantado.

Branca de Neve

O conto folclórico alemão foi publicado e popularizado pelos Irmãos Grimm, em uma compilação entre 1817 e 1822. Nele, a princesa Branca de Neve tem uma madrasta muito arrogante e invejosa que, ao perceber que a garota está crescendo e ficando mais bonita que ela, manda um de seus servos matá-la e servir seu fígado e pulmões no jantar. Porém, Branca de Neve descobre o plano, foge e se esconde em uma casa na floresta com sete anões, prometendo manter tudo sempre lindo e arrumado.

Um dia, a madrasta descobre o ocorrido, mata o servo e come sua carne. Então, se disfarça e vai até Branca de Neve para assassiná-la, sendo mal sucedida por duas vezes antes de oferecer a maçã envenenada, que fica presa em sua garganta. Os anões velam Branca de Neve em um caixão de vidro, até que um Príncipe se encanta por sua beleza e decide levá-la ao castelo.

No caminho, um dos servos que carregavam a princesa tropeça, e a jovem cospe o pedaço de maçã, voltando à vida e casando com o Príncipe. Já a madrasta, termina condenada a dançar em brasa com sapatos de ferro até sua morte.

O que o príncipe tinha em mente ao levar uma garota morta ao palácio é dispensável e a única versão que justifica o desfecho da história, escondendo as intenções veladas é a animação de 1937 de Walt Disney, em que Príncipe e Princesa se conhecem no início da história. Diferentes versões do conto ainda substituem os anões por ladrões, dragões ou cavaleiros, de acordo com seu país de origem.

Branca de Neve seria um ótimo conto, se sua origem não fosse a real trajetória de Margaretha von Waldeck, no século 16. A família de seu pai, o Conde Philipp IV de Waldeck – Wildungen era proprietária de muitas minas de cobre e, como em outros países da Europa, muitos trabalhadores eram crianças pequenas. Elas cresciam deformadas, viviam em grupos de 10 a 20 na mesma casa e eram popularmente chamadas de anões.

Branca de Neve
SleepingSnow, sequência do Todd Cross. | Foto: Todd Cross.

Após o segundo casamento de seu pai, Margaretha foi enviada a Nassau (atual Luxemburgo) e, posteriormente, à Bruxelas, onde conheceu o futuro Rei Filipe II, da Espanha. Apesar de ambas as famílias serem contra um casamento por desavenças religiosas e a falta de vantagens políticas, eles mantiveram um relacionamento.

Em 1554, aos 21 anos, Margaretha morreu após adoecer subitamente, apresentando sintomas comuns de envenenamento na época. Com isso, surgiram muitas especulações sobre o Rei Carlos V, da Espanha, ordenar seu assassinato, para que seu filho Filipe, então casado por interesse, se dedicasse a seus deveres.

Mesmo com histórias ainda um tanto sombrias, como A Pequena Sereia, que vira espuma do mar quando seu amado casa com outra, Hans Christian Andersen (1805-1875) foi um dos principais responsáveis por modernizar os contos de fadas, já suavizados pelos Grimm, modificando o público-alvo, ao trazer morais importantes para as crianças e colocar o amor em foco, excluindo muitas das tragédias existentes.

Hoje, diretamente influenciados pelas animações da Disney, os contos de fadas foram modificados, sendo inseridos em contextos cada vez mais atuais, abordando temas como o empoderamento feminino e a (necessária) normalização do consentimento nas relações, muito diferente de suas origens medievais.

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Por Bruna Janz – Fala! PUC

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