How I Met Your Mother (2005-2013) é uma sitcom sobre cinco amigos que moram em Nova York, com objetivos e sonhos diferentes, mas que se encontram sempre em um ambiente comum, o bar McLaren’s.
O protagonista de How I Met Your Mother é Ted Mosby, um arquiteto – e depois, professor universitário – cuja motivação de contar aos filhos a história de como conheceu a mãe deles é o fio que conduz todo a narrativa. Nessa empreitada, que durou 9 temporadas, conhecemos muitos outros romances que fracassaram e também a verdadeira paixão de Ted: Robin Scherbatsky, uma das outras cinco personagens principais do grupo, além do mulherengo Barney e do divertido e desajeitado casal Marshall e Lily.
Quase tudo o que vemos em tela são representações das histórias contadas por Ted (em voz off) aos seus filhos, em um futuro próximo, cerca de 2030. Os autores têm sucesso em dar ao show uma aparência de história real, contada por um narrador humano e imperfeito, quando a trama empresta das narrações verbais as pausas, os adendos, os comentários engraçados de histórias paralelas.
A partir disso, a série se destaca das demais sitcoms por (1) brincar com narração não-confiável, elaborando linhas do tempo distendidas, comprimidas ou francamente inacreditáveis, (2) caracterizações ricas de seus protagonistas, principalmente se tratando de uma sitcom, e (3) uma trama dinâmica, cativante e cheia de reviravoltas. A série ainda é ousada a ponto de subverter sua premissa fundamental no último episódio, embora tenha permanecido fiel a seu tema principal(4).
CUIDADO: TEXTO COM TODOS OS SPOILERS POSSÍVEIS
04 Razões para Assistir How I Met Your Mother:
01 – A narração não confiável de Ted Mosby
Narração em primeira pessoa pode ser meio complicada, mas HIMYM acerta a mão. A maioria dos episódios são narrados pelo “Ted do futuro”, por volta de 2030. Em vez de uma voz monótona conectando eventos conforme eles aconteciam, o narrador foi muito bem utilizado para dar relevância emocional às cenas, criar transições, definir paralelos, fazer piadas e vez ou outra apresentar um contraponto à ação na tela. “Ted do futuro” pode ver o arco geral dos eventos, antecipar fortunas e lembrar a audiência de onde ela veio e para onde está indo. Mas também é um narrador não-confiável, misturando a ordem das histórias, exagerando alguns detalhes e omitindo outros, divergindo da realidade, enfim, adicionando novas camadas de humor e profundidade a um gênero convencional, como são as sitcoms.
02 – HIMYM tem coadjuvantes bem caracterizados
Apesar de ser uma história principalmente sobre Ted, os roteiristas souberam dar vida aos coadjuvantes. São personagens com fortes backstories, motivações, sonhos e medos, que os colocam num patamar acima dos estereótipos de sitcom. Mesmo Barney, o garanhão do grupo, evoluiu durante os 9 anos de série em um arco de constante amadurecimento e serenidade. Os personagens são tridimensionais e crescem junto com protagonista, dando mais realismo ao show – que, a bem da verdade, às vezes de dá ao luxo de pesar a mão na fantasia.
Os diálogos também compõem parte importante desse processo de caracterização. As falas são rápidas e sagazes, mas sem deixar de conter um significado mais profundo àquele personagem ou àquela situação. Como é comum em sitcoms, os diálogos avançavam parte importante da trama, mas em How i Met Your Mother isso é feito sempre com brilho, bom humor e perspicácia.
03 – HIMYM tem um Storytelling sofisticado
Parte do brilho de HIMYM é o modo como o show recorda coisas que aconteceram no passado. O espectador que prestar atenção se lembrará das referências e entenderá a piada. Retomar coisas que aconteceram há muitos episódios é um modo eficiente de manter a audiência engajada e de indicar os elementos que são importantes no quadro geral da trama. Essas pequenas coisas garantem a simetria no avanço da história, prática essencial para um show que durou 9 anos. Resoluções que partem de sementes plantadas há tempos são muito mais satisfatórias que expedientes finais surgidos do nada.
Os escritores de How i Met Your Mother entendiam que um bom suspense garante o retorno da audiência. Valendo-se da premissa dessa “mãe” que não conhecemos, aumentando apostas, dando pequenas dicas do que haveria pela frente, estabelecendo os tradicionais ganchos no final de cada temporada, dentre outras coisas, assim eles construíram um mistério que durou nove anos – e, no meio tempo, a audiência se apaixonou pelos personagens e já não poderia simplesmente deixar de saber o que aconteceria com eles.
04 – O final de How i Met Your Mother é bom!
O último episódio da série subverte sua premissa fundamental: quando do início da narração do “Ted do futuro” aos filhos, logo no primeiro episódio, a “mãe” das crianças já havia falecido há alguns anos. O episódio final revela que o show na verdade não era sobre como Ted conheceu a mãe dos seus filhos, mas como ele queria chamar para sair a tia deles, Robin, a mulher com quem ele namorou e terminou várias vezes ao longo das 9 temporadas, e que inclusive foi casada por um breve período com o melhor amigo de Ted, Barney. Ele conta a história toda para receber a aprovação dos filhos, que dão sua bênção ao desejo do pai.
E embora o último episódio talvez tenha tido informações demais (o que só ganha força quando se nota a chatice que foi o resto da nona temporada, quase toda passada nas 72 horas antes do casamento de Barney e Robin), e tenha sido vítima da fúria de mais da metade do seu público, eu acredito que o episódio final de HIMYM é fiel a seu conceito fundamental: Amor Maduro.
Desde o primeiro episódio, Ted foi apresentado como um rapaz de bom coração, mas que se entregava rápido demais aos interesses amorosos. Um romântico incurável, mas sempre colocando o carro à frente dos bois. HIMYM foca na divertida, lenta e madura correção desse “problema” – não se trata de Ted se tornar um cínico sobre o amor, mas dele aprender a aplicar essa boa vontade romântica em uma relação sólida, construída e real.
E ao contrário da imensa maioria das comédias românticas que tomam a mesma inclinação só para introduzir algum falso cinismo antes de resgatar o “amor verdadeiro” com algum artifício Deus Ex Machina, a série realmente trata o romance de uma forma mais realista. Toda vez que Ted buscou o amor ideal no lugar de lidar com o amor real, não funcionou. Apesar de toda a loucura típica de sitcoms – ainda mais se tratando de um show de 9 temporadas -, HIMYM nunca abandonou seu mote central de Amor Maduro. Entender isso ajuda a perceber que tudo sobre Tracy, a Mãe, não era afinal uma homenagem aos “caprichos do destino”, mas como cada detalhe do relacionamento dos dois foi calcado em desafiar as expectativas bobas do amor romântico.
Explico: entre eles não houve uma grande festa de casamento, como tantas vezes sonhado por Ted, não houve grandes pedidos, nem houve grandes planos… Nada disso importava comparado aos pequenos prazeres e às profundidades da devoção mútua. Mesmo quando ela morre, é a simples revelação – compreendida por Ted e pelos filhos ao incentivarem o pai a ir atrás da Robin – de que não há uma “alma gêmea”. O amor verdadeiro é algo que se constrói. Leva tempo, consideração, um coração aberto, alguma sorte… E alguém que quer a mesma coisa, ao mesmo tempo.
A série apresenta uma caracterização de romance corajosa e incomum na TV quando o final apresenta dois casos distintos em que esse tipo de amor existe. Ambos reais, ambos conquistados. O show não é sobre Robin, como não é sobre Tracy. É sobre o Amor Maduro, que permite que ambas histórias tenham sido possíveis.
Mas talvez o que há de mais bonito no gesto final de How i Met Your Mother seja sua sinceridade e simplicidade. É o jeito que Ted encolhe os ombros enquanto acena com a velha trombeta azul para sorridente Robin na janela (Ted roubou a trombeta para ela em um encontro dos dois no primeiríssimo episódio da série), ambos agora na casa dos 50 anos, serenos e enrugados. Confirma tudo o que HIMYM vinha tentando dizer: essa é uma história de duas pessoas que passam por tantos altos e baixos que se tornam “cínicos” o bastante para perceber o quão importante um gesto romântico realmente é.
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Por Layon Lazaro – Fala!USP