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Os Indomáveis – leia a crítica do drama chinês

Adicionado ao catálogo da Netflix no final do ano de 2019 e inicialmente transmitido na China pela rede de TV Tencent, o drama ‘Os Indomáveis’ (em chinês: ‘Chen Qing Ling’) ganhou rápida popularidade tanto na China quanto internacionalmente, conquistando uma rede de admiradores no mundo todo.

‘Os Indomáveis’ foi o ar pela primeira vez em junho de 2019 na China, hoje a série alcança nota 9.8 no Viki | poster oficial de divulgação

Adaptação da novel ‘Mo Dao Zu Shi’ (em tradução livre, O Grande Mestre da Cultivação Demoníaca) da autora Mo Xiang Tong Xiu, a série apresenta Xiao Zhan e Wang Yibo, dois grandes astros da China, como os protagonistas Wei Wuxian e Lan Wangji, almas gêmeas e “cultivadores” com poderes sobrenaturais que se reencontram, depois de muitos anos, para desvendar um mistério associado a trágicas memórias do passado.

O drama inicia-se de maneira incomum, com um personagem anunciando a “boa notícia” de que Wei Wuxian, o Patriarca Yiling, está morto. Simultaneamente, é desenvolvida a trágica cena em que Lan Wangji e Jiang Cheng (Wang Zhuocheng), irmão de Wei Wuxian, assistem ao jovem e atormentado cultivador cair para sua morte. E, logo em seguida, um corte temporal de 16 anos traz o foco para um presente no qual o Patriarca Yiling é invocado de volta à vida no mesmo momento em que um misterioso caso surge.

A partir daí, entre o presente e flashbacks que retomam o passado, a história de Wei Wuxian e Lan Wangji é desenvolvida nos 50 episódios da série, que abordam de maneira majestosa a relação dos dois cultivadores ao mesmo tempo em que desenvolvem a complexa trama de suspense referente ao plot principal da série.

Xuan Lu faz o papel de Jiang Yanli, cultivadora do clã Jiang e irmã mais velha de Wei Wuxian e Jiang Cheng. | poster oficial de divulgação

O drama conta com direção e roteiro consistentes – o enredo é conduzido de forma cuidadosa, fazendo justiça à complexidade da história apresentada na novel e também a seus personagens, que, no geral, tem histórias bem desenvolvidas. Nesse aspecto, destaca-se a representação das personagens femininas na live action, que, positivamente, parece ter lhes concedido protagonismo maior do que a própria novel. Assim, atrizes como Xuan Lu (Jiang Yanli) e Meng Ziyi (Wen Qing) recebem espaço para brilhar igualmente ao lado dos outros colegas de elenco, apresentando atuações dignas de admiração.

Meng Ziyi é Wen Qing, talentosa médica do clã Wen que busca, mais do que tudo, proteger seu irmão. | poster oficial de divulgação

No entanto, o que parece fazer Os Indomáveis tão especial é a forma com a qual o relacionamento entre Lan Wangji e Wei Wuxian (ou Lan Zhan e Wei Ying, como eles se chamam entre si) é representada na série.

Sabe-se que, na novel escrita pela Mo Xiang Tong Xiu, a relação entre os dois homens é explicitamente romântica, porém, a censura chinesa não permitiria nenhuma representação explícita de envolvimentos homo românticos em um drama exibido nacionalmente. Assim, poderíamos esperar que a produção resolvesse tratar os cultivadores estritamente como amigos ou até incluir pares românticos femininos pare eles. Porém, não é bem isso que acontece…

De início, o drama nos faz pensar que seria cultivada uma relação de rivalidade entre o despreocupado e “sem vergonha” do Wei Wuxian, como o próprio Wangji diz, e o calmo e estóico Hanguang-Jun, uma das admiradas Duas Jades de Lan (título que recebe junto com seu irmão, Lan Xichen). E assim o é, até que, rapidamente, não é mais.

Não conseguindo se livrar de Wei Wuxian, Lan Wangji passa a demonstrar cada vez menos resistência à insistente companhia do cultivador atrevido que o vê como um amigo em potencial e assim, a admiração entre os dois começa a se tornar mútua – apesar de silenciosa por parte do nosso Hanguang-Jun.

É nesse contexto que o Yibo nos entrega uma grande performance como o contido e inexpressivo Lan Wangji, abrindo o coração do personagem pra nós através de pouquíssimas palavras e micro expressões que são mais do que suficientes, de maneira que torna extremamente intrigante observar o crescimento do laço entre os dois cultivadores pelo ponto de vista do Hanguang-Jun. Pelos olhares cada vez mais ternos que ele direciona ao Wuxian, pelos raros e discretos sorrisos, pelos contatos físicos que antes lhe eram impensáveis, pela postura protetora que ele adota diante de qualquer ameaça a Wei Ying…

É realmente reconfortante acompanhar o fortalecimento do vínculo entre os cultivadores, ainda mais quando percebemos que o tratamento dado aos sentimentos deles foi tão delicado que sua relação de almas gêmeas (em todos os sentidos) é indubitável, apesar de toda censura. Grande parte disso deve-se à adição de uma esperta simbologia, que utiliza tanto da própria cultura milenar chinesa quanto de elementos do próprio mundo fictício para expressar o que não pode ser dito abertamente.

No drama, Wei Wuxian e Lan Wangji são tratados como “almas gêmeas para a vida toda.” | poster oficial de divulgação

Algo que me agradou muito a respeito da série é que, diferentemente de muitos conteúdos LGBTs, a história em momento algum foca homofobia ou temas trágicos relacionados ao fato do casal ser homossexual, o que é, de certa forma, refrescante, pois parece abrir um novo horizonte para a representação LGBT na mídia. Não que preconceitos com pessoas LGBTs não sejam reais ou não devam ser representados, nada disso! Mas às vezes é legal ter dois caras que se amam lutando contra seres sobrenaturais, vilões e só, sabe?

Claro que nem tudo são flores e a própria sinopse da série já promete muitos momentos de partir o coração, mas eles só tornam o drama mais instigante e se tem pelo menos uma coisa que não vai deixar a desejar nessas horas é a atuação do Xiao Zhan, que se entrega de corpo e alma ao papel do Wei Wuxian.

Tenho que admitir que há alguns detalhes insatisfatórios, mas a maioria deles diz respeito a coisas técnicas como efeitos especiais meio toscos e cenas de batalha esquisitas, coisas geralmente fáceis de relevar na base do riso ou de compensar com a trilha sonora bem elaborada da série, que é composta pela belíssima música tema ‘Wu Ji’ e separa uma canção para praticamente cada personagem.

No geral, Os Indomáveis se apresenta como um drama cativante, que traz reflexões bastante éticas sobre as injustiças do mundo e sobre o que é certo e o que é errado. Além de oferecer uma história de amor e amizade na qual, com certeza, vale a pena investir uma chance. Atualmente, a série se encontra disponível em plataformas como a Netflix e o Viki e, também, no Youtube. E para os que não gostam de live action, há ainda a própria novel Mo Dao Zu Shi, o anime de mesmo nome (também disponível no youtube) e uma versão em mangá!

(AVISO: a série contém descrições gráficas de violência e suicídio que podem servir como gatilho)

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Por Beatriz Gayão – Fala! UFPE

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