Já parou para pensar no que está por trás do hambúrguer que você come? Com base em dados de pesquisas e organizações, é possível concluir que o comércio da carne é o mais prejudicial ao meio ambiente. Mas por quê?
Os principais prejuízos ambientais do consumo de animais são: o desmatamento, a ocupação de terras, o aquecimento global, o uso excessivo da água, o desgaste do solo, o desperdício de alimentos e a extinção de espécies, analisados em tópicos a seguir.
Impactos da Pecuária
Desmatamento
De acordo com o relatório Estado das Florestas do Mundo 2016, lançado pela Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), mais de 80% do desmatamento brasileiro estava associado à criação de pasto.
Segundo o biólogo e ativista Sérgio Greif, como o Brasil possui o maior rebanho comercial do mundo, constituído por mais de 200 milhões de cabeças de gado, precisa de uma pastagem de, pelo menos, 2 milhões de km². Essa área corresponde a um quarto do Brasil e originalmente era formada por paisagens naturais, como florestas tropicais e cerrados.
Evidencia-se o tamanho do desmatamento ao se calcular que uma área de floresta tropical do tamanho de um campo de futebol é destruída a cada segundo no mundo para produzir 257 hambúrgueres. Como consequência da retirada da vegetação, pode haver aquecimento na região de até 4º C.
Ocupação de terras
A pecuária, somada com as terras agrícolas destinadas à produção de ração, ocupa cerca de três quartos das terras aráveis do planeta, apesar de ser responsável por apenas 12% das calorias consumidas globalmente. Um estudo da Universidade de Oxford, na Inglaterra, mencionado em uma reportagem da BBC News Brasil demonstrou que, apesar de utilizarem 83% da terra voltada para a agricultura e produzirem 60% das emissões de gases de efeito estufa, carne e laticínios correspondem a apenas 18% das calorias e 37% das proteínas consumidas, provando a pouca eficiência da pecuária. Os cientistas concluíram também que a plantação de legumes e cereais é mais sustentável que carnes e laticínios de baixo impacto ambiental.
Greif disse que, com uma população de mais de 7,5 bilhões de pessoas e apenas 1,8 bilhão de hectares de terra passíveis de serem cultivados, cada hectare precisa alimentar cerca de quatro pessoas, algo impossível com a criação de gado, dependente de um hectare para sua realização. Com a dieta vegetariana universalmente adotada, por sua vez, cada hectare seria suficiente para alimentar 20 pessoas ou mais, e não seria necessária a expansão da fronteira agrícola sobre áreas naturais.
Além disso, de acordo com Danilton Flumignan, pesquisador da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) e especialista em agrometeorologia e irrigação, no Mato Grosso do Sul, um dos estados com maior presença da agropecuária, há cerca de 20 milhões de hectares destinados à pecuária contra 2 milhões de grãos, 900 mil de cana-de-açúcar e 650 mil de eucalipto.
Desperdício de alimentos
Para Greif, não há déficit na produção de alimentos, pois são produzidas cerca de 1,5 quadrilhão de calorias a mais do que seria necessário para sustentar a população. O consumo de carne, assim, é uma forma ineficiente de aproveitamento de energia, pois os animais precisam ser alimentados com grande quantidade de matéria vegetal como, além do pasto, milho, soja e sorgo, e transformam muito pouco dessa energia inicial em carne que poderá ser aproveitada por seres humanos.
Quase 80% da soja, principal ingrediente das rações de gados, é utilizado para esse fim, como se vê no gráfico abaixo. Esse valor se justifica pelo baixo custo do produto e por sua alta quantidade proteica, de forma que seria mais eficiente se fosse diretamente usado na alimentação humana.
Aquecimento global
O relatório Livestock’s Long Shadow, publicado pela FAO em 2016 destacou a pecuária global como maior contribuinte dos gases-estufa, com 18% da emissão total em equivalentes de CO2, superando todas as formas de transporte.
De acordo com Michely Tomazi, pesquisadora da Embrapa especializada em manejo de solos e emissão de gases de efeito estufa, a liberação desses gases ocorre porque no estômago dos ruminantes ocorre um processo de quebra da celulose no qual os microorganismos produzem metano para liberar na forma de gás.
Além do metano, há também o óxido nitroso, outro gás-estufa, liberado por meio da excreta bovina. A liberação desses gases, embora inferior à de CO2 em quantidade de toneladas, é mais prejudicial: o metano possui 23 vezes o potencial destrutivo do dióxido de carbono, e o óxido nitroso, 296, segundo o relatório mencionado. A contribuição da pecuária para os gases intensificadores do efeito estufa pode ser visualizada no infográfico abaixo:
Uso excessivo da água
Aproximadamente 70% da água doce disponível nos rios, lagos e depósitos subterrâneos é utilizada na atividade agrícola. Grande parte direcionada à produção pecuária, visto que a água consumida pelo gado bovino é de cerca de 50 litros por dia, e o processo de abate consome mais de 1200 litros de água de uma vez, como disse Grief.
Para compreender melhor a quantidade de água utilizada na produção alimentar criou-se o termo água virtual, baseado na contagem da “pegada hídrica”. Para Danilton Flumignan, “o water footprint prevê desde o começo até o final da produção. Por exemplo, um sanduíche leva, além do pão, alface, molho, uma carne… Só que essa carne vem de um boi lá do campo, que já utilizou a soja, o pão veio do trigo, que foi processado numa indústria. Esse dado explora justamente isso.” Nesse sentido, o pesquisador explica que, quanto mais processado um produto, maior é sua pegada hídrica. Além disso, ao se compararem produtos naturais de origem animal versus vegetal, o vegetal consome menos, pois o animal tem o consumo inerente a seus processos metabólicos mais o da vegetação.”
A água utilizada para produzir os principais alimentos pode ser observada no infográficos seguir:
Desgaste do solo
A pecuária mal conduzida pode gerar a compactação do solo, reduzindo sua capacidade de infiltração de água e, consequentemente, sua fertilidade. Podem assim, ocorrer os processos de desertificação e erosão da área, com o material superficial arrastado pelo vento e pela água.
Michely Tomazi explica que o desgaste do solo ocasionado pela pecuária ocorre quando há uma área com quantidade de gado superior à sua capacidade e sem reposição de nutrientes, gerando redução do pasto até o solo ficar descoberto. Com isso, a chuva cai direto na superfície e o gado a pisoteia diretamente, compactando-a e diminuindo sua porosidade natural. Isso restringe a infiltração, de modo que o crescimento das raízes diminui e a terra perde a qualidade e a fertilidade. Junto a isso, a gota de água, ao cair diretamente no solo, desfragmenta as partículas e os sedimentos são levados para os rios.
Extinção de espécies
O desmatamento feito para a criação de pastos remove o habitat natural de espécies nativas, podendo gerar sua extinção e a perda da biodiversidade local. De acordo com Greif, as espécies sobreviventes são, muitas vezes, eliminadas por fazendeiros por entrarem em competição com o gado ou dele se alimentarem por falta de presas naturais. Além disso, há zoonoses – doenças típicas de animais, geralmente provocadas por parasitas – que podem ser passadas aos animais selvagens pelos gados.
O biólogo também cita que desde a Segunda Guerra Mundial houve uma maior busca por carne no mundo todo, o que levou a uma “expansão das fronteiras agrícolas sobre os diferentes biomas, reduzindo florestas e campos em pastos”. Consequentemente, surgiu uma enorme pressão sobre as populações naturais, muitas delas direcionadas à extinção.
Outros impactos
Fluxo de energia
Segundo Greif, no processo de fotossíntese as plantas captam a energia fornecida pelo sol. Posteriormente, os consumidores primários, ou herbívoros, alimentam-se das plantas e utilizam em média 10% da energia delas para a construção de sua massa e os outros 90% em seus processos vitais. O mesmo ocorre com os consumidores secundários, ou carnívoros, mas sua energia adquirida corresponde a apenas 1% (10% de 10%) da produzida pela planta. Segundo essa lógica, para se aproveitar o maior número de energia, deve-se consumir alimentos localizados mais próximos à base da cadeia alimentar, como vegetais, o que também garantiria maior preservação ambiental.
Ética
O consumo de animais pode transgredir a ética ao se compreender a noção de senciência, ou seja, a capacidade de sentir sensações. Para Greif, “é quase impossível considerarmos que vivemos em um mundo civilizado se ainda nos alimentamos da dor e do sofrimento de animais sencientes” e não há razão para entender a senciência animal como inferior ou diferente da humana. A senciência confere direitos aos animais, pois os torna dotados de interesses próprios, como os de não serem confinados, privados de seus processos naturais e submetidos à vontade humana, à dor, ao sofrimento, ao abate, etc.
O filósofo alemão Arthur Schopenhauer também defendia essa ideia ao afirmar que “os animais não são artigos fabricados para o nosso uso”, considerando a moralidade social limitada por contemplar somente os seres humanos. Criticou, dessa forma, a coisificação de seres não humanos e a história da filosofia, por ser antropocêntrica e valorizar somente os direitos humanos.
Fontes dos dados:
https://www.svb.org.br/home/205-vegetarianismo/saude/artigos/17-vegetarianismo-e-conserva-ambiental
https://www.bbc.com/portuguese/geral-44719605
https://www.svb.org.br/home/205-vegetarianismo/saude/artigos/17-vegetarianismo-e-conserva-ambiental
https://www.svb.org.br/home/205-vegetarianismo/saude/artigos/17-vegetarianismo-e-conserva-ambiental
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Por Karina Tarasiuk – Jornalismo Jr. ECA USP