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Opinião: Pronunciamento de Sergio Moro confirmando sua demissão

Devido à troca do comando da PF, Sergio Moro falou, no dia 24 de abril, em rede nacional. Em um pronunciamento extenso, cansativo e demagógico, o ex-juiz confirmou sua demissão. Fez uma série de afirmações que, postas no contexto de sua biografia, não passam de delirantes. Os 35 minutos de fala foram mais uma disputa, contra Bolsonaro, pela narrativa vigente no imaginário popular do que qualquer outra coisa.

O discurso, além de afirmar sua saída do executivo, serviu para: listar uma série de conquistas durante o tempo em que ficou no cargo; posicionar-se como virtuoso lutador contra a corrupção, que tem sempre como escudo a democracia e a lei, lembrando sempre ao povo seu papel na Lava Jato; pintar Bolsonaro como pior que o PT no fator luta contra a corrupção, por interferir na autonomia da PF.

Por último, a já comum demonização da política, mas, dessa vez, colocando Bolsonaro no mesmo balaio dos demais homens públicos, pois este fez, segundo Moro, uma indicação política após a exoneração de Valeixo, o que é imperdoável aos olhos da verdadeira justiça – aos olhos de Moro.

sergio moro e bolsonaro
Sergio Moro, Paulo Guedes e Jair Bolsonaro. | Foto: Reprodução.

Conquistas

Justíssimo! Todas seriam posições razoáveis, não fossem os fatos. A começar pelas conquistas como ministro: o pacote anticrime, enviado ao Congresso com a assinatura de Moro, teve como principal ponto a excludente de ilicitude, retirada do texto, aquela que permite o perdão ao “excesso doloso” em casos de “escusável medo, surpresa ou violenta emoção”.  Também sem aval do ex-ministro, foi adicionada a figura do juiz de garantias ao pacote. Ao ser aprovado, o pacote já não era mais do ministro, mas sim, do Congresso.

Também os dados de violência apresentados nada têm de mérito da atual gestão. Os dados da diminuição de homicídios foram apresentados apenas 9 meses após o início do atual governo. Sergio Moro disse que a diminuição vem acontecendo desde 2018, mas sempre puxando para si uma parte da glória.

Naturalmente, esqueceu de citar quais medidas foram tomadas pelo próprio para que uma melhora tão considerável tivesse resultados tão rápidos. Quem sabe em uma entrevista coletiva alguém lhe pergunte que soluções foram essas, afinal, todos os países do mundo têm muito a aprender com tamanha eficiência.

Não apresentou porque não existem. Inovações dos Estados e medidas do governo Temer tiveram um impacto na diminuição da taxa de homicídios em 2018 e 2019. A comparação com 2017 é também um possível fator, pois ocorreram disputas de facções pelo controle do tráfico de droga no país, o que teve como consequência o aumento de homicídios no ano.

Rule of Law e autonomia

Outro ponto foi a paixão repentina de Sergio Moro pela “rule of law”. Não é preciso ir tão longe para demonstrar que Moro e a lei não são muito íntimos. O caminho mais fácil é pelos vazamentos feitos por The Intercept.

Segundo o site, que nunca foi desmentido pelo ex-ministro, uma série de diálogos promíscuos aconteceram entre Deltan Dallagnol e Sergio Moro durante a operação Lava Jato. O artigo 254 do código de processo penal teria, então, sido infringido, além do código de ética da magistratura, claro, apenas na eventualidade dos diálogos serem verdadeiros.

Outro caso, que toca a autonomia da PF e o amor inesperado que Moro tem pela lei, ocorreu também durante a Vaza Jato. O ex-ministro chegou a dizer que as provas colhidas pela polícia, na prisão dos hackers, seriam destruídas. A PF pronunciou-se contra Moro, por ser uma decisão fora da competência do cargo dele; o ministro do STF, Fux, determinou a preservação das provas posteriormente.

Aqui não vos fala um legalista, mas tão pouco alguém que pretende ser um. O problema, creio, que surge no momento em que uma figura pública tenta se vender como alguém que preza pela “rule of law” quando a realidade, e que fique claro, a realidade apenas, demonstra que existe, na melhor das hipóteses, um caso de dissonância cognitiva evidente.

Política

Para alguém que se põe como amante da democracia, Moro bate como um verdadeiro “bolsonarista raiz” na tecla de indicação política. Primeiramente, indicações políticas são parte do nosso sistema democrático. O governo de coalizão precisa de negociação, desde que tudo seja feito dentro dos limites legais. Mas não veem assim as coisas os seguidores de Moro, que, a propósito, assemelham-se muito aos de Bolsonaro e até aos de Lula.

Do segundo pela visão de um homem sem defeitos e cujos fins são dignos, apesar dos meios; do primeiro pelos mesmos motivos e também o ódio à política. Então, sendo a concessão a políticos um pecado dentro desse paradigma morista ou lavajatista, o ex-ministro mostrou-se mais que ciente da existência desses indivíduos em seu pronunciamento, com constantes acenos.

Dito isto, a mudança na PF pode, sim, ter algo de ilícito por, segundo Sergio Moro, se tratar de uma tentativa de quebra da autonomia. É uma acusação grave e cabe às autoridades investigar; antes disto provado, nada fora da alçada do Presidente e do jogo político ocorreu.

A reação e a tentativa de jogar o povo contra um fato como este, quando tantos outros podem ser criticados tão duramente, vem do berço lavajatista de ódio à política, que levou Bolsonaro à cadeira que ocupa.

Bolsonaro navegou na onda lavajatista até ela se virar contra ele, um modelo a se evitar ao próximo candidato a timoneiro. Se não era possível antes, hoje, já se pode falar da candidatura de Sérgio Moro em 2022. Porém, “cortem-lhes as cabeças” é uma bandeira pesada; a história mostra que, eventualmente, o carrasco passa a sentenciado. Se a Revolução Francesa não é prova, que seja prova Bolsonaro.

Esse espírito da Lava Jato, que permeia o imaginário coletivo como tudo que há de virtuoso, não é nem benéfico ao país nem a quem o difunde. Mas que o ex-ministro aprenda como Bolsonaro; não venho aqui dar conselhos.

Sim, seria excelente se Sergio Moro realmente fosse um defensor da democracia, das leis e dos direitos individuais, e que veio à terra defender o justo. Infelizmente, não passa de um ministro cuja fala não condiz com as ações e cujas ações não conduzem o país a um bom caminho.

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Por Luis Soares – Fala! UFPE

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