Ao passo que a pandemia de Covid-19 contamina e mata o Brasil, sem encontrar barreiras eficientes de combate, protestos pró-Bolsonaro ganham notoriedade. Esses atos, incentivados pelo presidente para desviar o foco da crise do coronavírus, dão voz a grupos neonazistas e ameaçam a democracia nacional.
Primeiramente, neonazismo é o resgate de ideias nazistas na atualidade. Ele surgiu na Europa, após a II Guerra Mundial, por nazistas sobreviventes à derrota do movimento em 1945.
Essa ideologia emite o ódio por meio da acentuada discriminação contra comunistas, homossexuais, índios, judeus e negros. Em outras palavras, o neonazismo pode ser entendido como uma política racista.
O ano de 1933, o nazismo e a Alemanha
Quando o nazismo encobriu a Alemanha, em 1933, iniciou-se um período obscuro na história da humanidade. Respaldados pelo fascismo de Mussolini, os nazistas impunham a supremacia branca (arianismo); o nacionalismo exacerbado (ultranacionalismo); a exaltação da guerra, como forma legítima de fazer o país crescer, e o ódio mortal contra a comunidade judaica (antissemitismo).
Para Adolf Hitler, os judeus eram uma “raça” inimiga e, portanto, prejudicial e ameaçadora aos arianos. Ele considerava os semitas povos biologicamente inferiores que almejavam dominar o mundo.
Nesse sentido, eles teriam inventado o marxismo, liberalismo, parlamentarismo e seriam culpados pela derrota alemã na I Guerra Mundial, pela democracia e pela crise. Ou seja: os judeus seriam responsáveis por “tudo de ruim” existente no mundo.
Dessa forma, a apologia à violência foi um marco da época e vitimou, pelo menos, seis milhões de judeus. Esses povos foram perseguidos e enviados a campos de concentração; lá, torturados e mortos. Instaurou-se, assim, um dos episódios mais lamentáveis da humanidade, o Holocausto.
Diante disso, o ideal de homogeneização da raça alemã disseminado pelo Führer — líder, em alemão — expandia-se pelo território.
O ditador austríaco tinha uma legião de companheiros ao seu lado. E sabia disso. Aplausos, saudações e idolatria. Propagandas, discursos e comícios públicos. Mentes e olhos vidrados naquele que direcionaria os próximos passos da nação.
Isso tornava a concretização de seu projeto de governo, sem qualquer sinal de empatia, mais fácil e natural.
Apoiadores fiéis e hipnotizados pela fala promissora e envolvente de um genocida. Assim, pode ser definida a multidão de acordo com o jeito nazista de ser. Na Alemanha hitlerista, o culto ao líder estava enraizado na população.
Ao mesmo tempo que incitava o radicalismo, Hitler se dedicava em construir a imagem de dirigente popular. Em suas caminhadas, o ídolo cumprimentava seus fãs, pegava crianças no colo e acenava a quem pudesse interessar. Como um mito salvador da pátria.
Hitler, assim, colocava a Alemanha acima de todos e o extremismo acima de tudo.
O ano de 2020, o neonazismo e o Brasil
De acordo com mapeamento feito pela maior especialista em neonazismo do Brasil, a antropóloga Adriana Dias, a maior parte desse movimento, no país, está no Sul e no Sudeste. Em São Paulo, há 99 células; Santa Catarina, 69; Paraná, 66; Rio Grande do Sul, 47 e Rio de Janeiro, 22. Nas palavras de Dias:
A sociedade brasileira está nazificando-se.
Esses dados referem-se a novembro de 2019 e foram retirados da reportagem sobre a expansão do neonazismo no Brasil realizada pela empresa de comunicação alemã Deutsche Welle (DW).
Pesquisadora da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Adriana Dias pontua, ainda, que esse movimento pauta-se na retomada de elementos básicos do nazismo. Essas congregações hierarquizam a humanidade; creem na soberania do branco e no rebaixamento da mulher, do negro, do índio e do gay. Além disso, os neonazistas também direcionam seu ódio a migrantes, sobretudo nordestinos, e também são ultranacionalistas.
Afinal, qual o significado da forte presença do neonazismo nas manifestações a favor de Jair Bolsonaro?
Qual o denominador comum entre a figura do presidente e o perfil de seus apoiadores?
Em um governo como o atual, pessoas que flertam com aspectos neonazistas ganham potência e lugar de fala de prestígio na comunidade bolsonarista. Já de praxe em seu mandato, o ex-capitão reformado do Exército faz questão de formular frases sustentadas pelo radicalismo, pela indiferença e pelo desprezo às pessoas. Pela total falta de empatia com as minorias sociais.
Nos últimos três meses, a pandemia do novo coronavírus assola o Brasil. Pelo menos, 100 dias. E o senhor presidente ainda não fez, sequer, um pronunciamento em solidariedade às vítimas e às famílias atingidas.
Pelo contrário, em suas entrevistas diárias, em Brasília, suas palavras denotam a descrença na gravidade da pandemia. Ele condena a imprensa por simplesmente cumprir seu trabalho de informar o povo, prega exatamente o contrário das recomendações de especialistas da Saúde e foge à luta.
Com efeito, é de se imaginar que as falas e atitudes de Bolsonaro transcendam os Palácios da Alvorada e do Planalto. Suas declarações reverberam e penetram em diversas camadas da esfera pública. A TV, os jornais e a Internet estão aí para confirmar, bem como as manifestações pró-governo ocorridas frequentemente nas ruas do país.
Esses protestos funcionam como microfone: amplificam o tom dos discursos e os posicionamentos de Jair Bolsonaro. Assim, este torna-se “a menina dos olhos” de grupos que, assim como ele, pregam condutas violentas: preconceito, ódio e intolerância.
O pretexto para a ferrenha defesa de tais princípios seria alcançar uma “salvação nacional”, tendo em vista o fato dessas pessoas verem-se como “libertadoras” orgulhosas da pátria.
Nessa conjuntura, o eufemismo, usar palavras brandas para se expressar, é comum. Isso para camuflar a verdadeira origem dos ideais e atrair, sutilmente, mais pessoas, especialmente as já simpatizantes da extrema-direita.
Nesse nazismo repaginado, ainda impera o discurso do “nós” (mais fortes) contra “eles” (mais fracos), porém, ajustado ao tempo presente.
Os neonazistas também têm outra explícita característica, o negacionismo: a recusa à realidade. Histórico, quando a existência do Holocausto é rejeitada, ou científico, quando a Ciência é descredibilizada, o negacionismo apresenta alta capilaridade entre esses grupos. Fato recorrente no Governo Federal, o qual minimiza a crise global da Covid-19, trata-a como mera “gripezinha”, desdenha fundamentais avanços científicos e opta por omitir dados referentes a casos e óbitos.
Logo, o forte poder (autoritário) de influência do chefe do executivo federal sob a camada apoiadora extremista da sociedade é evidente. Por isso, tornou-se comum observarmos, nas manifestações a favor de Bolsonaro, a reprodução em massa das ideias por ele proferidas.
Como se não bastasse, seus apoiadores, influenciados pela postura de seu líder, chegaram ao ponto de negar e zombar explicitamente do crescente número de mortes pela doença e debochar publicamente. Em meio a risos e aplausos, até mesmo um caixão já fez parte de performances em atos mais ousados de grupos radicais pró-governo.
Críticas e perseguição às mais diversas instituições. Ex-ministros, isolamento social, Supremo Tribunal Federal (STF), Congresso Nacional, imprensa. Democracia. Nenhum deles escapa dos ataques de manifestantes pró-governo escoltados, e elogiados, pelo mito salvador da pátria.
Diante desses insultos, Bolsonaro mostra-se conivente; ele não os repreende, mas impulsiona ataques intimidatórios e discursos de ódio contra esses órgãos e pessoas contrárias ao seu comando.
O exemplo mais recente ocorreu na noite do último sábado, 13/6, quando a mais alta instância do poder judiciário brasileiro foi, mais uma vez, alvo da hostilidade bolsonarista. Nesse episódio, sob xingamentos aos ministros da Corte, manifestantes soltaram fogos de artifícios contra o prédio do STF. No domingo, o presidente Dias Toffoli repudiou a ação: “o Brasil vivenciou mais um ataque ao Supremo Tribunal Federal, que também simboliza um ataque a todas as instituições democraticamente constituídas”.
Portanto, essa inadequada conduta propicia um sentimento de legitimação dos apoiadores com o governo do “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”. Assim, grupos neonazistas encontram um espaço, construído e mantido pelo próprio presidente, para destilar fúria e extremismo em território nacional.
Conclusão
Apesar disso tudo, cabe ressaltar que Jair Bolsonaro não deve ser concebido como um neonazista. O que há é o incentivo da existência de células neonazistas no país; a maioria é pró-Bolsonaro e se sente segura – e empoderada – com um governo repulsor de minorias (etnias, religiões, políticas), com o qual se identificam.
Com essa prática excludente, esses grupos ficam à vontade para disseminar seus discursos de ódio, pois não serão coibidos pelo comando federal. Assim, a luta do neonazismo é, de certa forma, legitimada.
Em coluna quinzenal na Carta Capital, o filósofo e escritor Henry Bugalho evidencia esse ponto:
Você tem um presidente cuja retórica se move contra comunistas, gays, feministas, movimentos sociais, lutas por direitos civis e direitos humanos. É como se eles [supremacistas brancos e neonazistas] olhassem para o presidente e vissem ‘olha, esse aqui nos representa, pode não compactuar conosco 100%, mas em boa parte delas ele compactua’.
Por sua vez, a Internet e as redes sociais corroboram amplamente com esse quadro ao viabilizar a comunicação, socialização e perpetuação da extrema-direita mais radical. Logo, a corrente neonazista é facilmente articulada principalmente pelo público jovem, geralmente o mais conectado e engajado em “causas”.
Então, Jair Bolsonaro pode até não ser um neonazista, mas deixa seus seguidores livres para falar e fazer o que quiserem. Dessa forma, ele resguarda seu governo, aumenta a popularidade, entre os que o apoiam, e escancara seu poder.
Cabe enfatizar: o neonazismo é crime contra os Direitos Humanos. A Lei 7.716/1989 dispõe sobre o crime de racismo e sobre um qualificador, a divulgação do nazismo.
- Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. (Redação dada pela Lei nº 9.459, de 15/05/97)
- Pena: reclusão de um a três anos e multa. (Redação dada pela Lei nº 9.459, de 15/05/97)
- § 1º Fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo. (Redação dada pela Lei nº 9.459, de 15/05/97)
Fonte: Site oficial da Presidência da República.
Por isso, nunca é demais frisar: pesquise, leia e informe-se! Estude. Não compactue com atos e concepções que fazem apologia à supremacia branca e à violência.
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Por Ana Paula Jaume – Fala! UFRJ