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O desafio concreto de viver da arte

A história de três jovens paulistas e suas trajetórias ao tentarem transformar a arte em profissão.

Matheus Zem já era cantor, tocou em uma das rádios da sua cidade natal, Bauru. Mas ele queria mais. Assim que conseguiu juntar dinheiro o suficiente, trabalhando com ar-condicionados, fez as malas e correu pra São Paulo. Conheci seu trabalho em uma noite de sábado na Avenida Paulista, cantando músicas emotivas que me levaram às lágrimas e logo me fizeram sentar no chão e acender a lanterna do celular, muitos seguiram.

Ser artista é algo abstrato, mas não é algo tão longe da realidade quanto parece. A arte permeia o nosso cotidiano e com certeza alguém no seu convívio tem algo de artista. Talvez todos tenhamos. Mas alguns almejam que a arte seja mais do que um hobbie, ou algo para fazer nas horas vagas.

Para entender melhor a dinâmica do “viver da arte”, pessoas em três etapas do processo conversaram conosco. Aqueles que têm o sonho de conseguir ter um retorno financeiro com sua arte são exemplificados por Pituca, Mário faz parte do grupo daqueles que já possuem esse retorno mas não em uma quantidade significativa o suficiente para trabalharem somente com sua arte, e Matheus representa aqueles que já são conhecidos e tem sua arte como principal, e talvez única, fonte de renda.

Primeiro Personagem: Matheus

Matheus Zem

Matheus hoje se mantém financeiramente como cantor, toca na Av. Paulista de quinta a domingo e faz alguns eventos como casamentos e aniversários. Neste ano lançou seu primeiro EP com músicas autorais chamado “Tudo É Como Deve Ser”, todas disponíveis nas plataformas de streaming. Em 2018, tocou em um evento chamado Inter Mil Grau na sua cidade natal, o público o recebeu de forma acolhedora e animada. “Foi um sonho do caramba, foi tipo um trailer de como seria tocar para 10 mil pessoas todos os dias.” Ele está cada vez mais perto do sonho.

Segundo Personagem: Mário

No imaginário de grande parte da população existe a tríplice suprema das profissões: direito, engenharia e medicina. Por isso, muitos consideram que se a sua escolha para o futuro envolver qualquer uma destas três opções seu futuro está garantido, e o oposto em relação ao caminho artístico.

Mario Victor Bergo Crosta, de 22 anos, é filho de médicos e tentou traçar este caminho mais seguro com o direito. Porém, no final acabou optando pelas artes. Hoje cursa Artes Visuais na UNESP e faz curso técnico de cinema na AIC (Academia Internacional de Cinema). Ele fotografa e, quando o encontramos, estava com as unhas pintadas de preto, pois durante uma aula entediante precisou se distrair.

Ele não ganha nada substancial com a fotografia e nem acredita que acontecerá, mas isso não o desencoraja. “Eu piro nesse negócio de ir para a rua fotografar. Mas esse tipo de fotografia não dá nenhum dinheiro, é um projeto pessoal.” Seu Instagram é recheado de “o acaso na rua”, como ele mesmo diz. Quando peço para me explicar melhor, ele imediatamente abre um sorriso e discorre sobre sua paixão, a street photography – fotografar pessoas desconhecidas em seu cotidiano.

Terceira Personagem: Pituca

Autorretrato // Por Pituca

Paulista de nascimento se mudou recentemente para a Bahia para estudar, “Eu sou apaixonada por Salvador. Desde a primeira vez que vim eu não queria mais voltar para São Paulo. É arte em toda esquina que chega a transbordar, a cultura é muito rica, a energia é muito boa e acende minha criatividade.”

Quando a figura de Pituca me foi apresentada veio seguida da frase “é surreal, ela emana luz”, isto fica explícito na sua obra e no tom risonho da sua voz. 

Ela já trabalhou como assistente de uma artista plástica e hoje estuda a possibilidade de vender o que produz, mas acredita que precisa aprimorar sua arte antes de vendê-la de fato. Mas sabe de uma coisa, quer ser autônoma, não se imagina presa a um escritório ou rotina.

Mas o que é ser artista?

A primeira coisa que surge no Google é “artista: aquele que cultiva as belas-artes.” Definição abstrata, como tudo que envolve ser artista.

“Ser artista é, além de se sensibilizar muito fácil com as coisas do cotidiano, conseguir produzir algo em relação a isso. Eu acho que um artista precisa ser sensível, mas é você fazer algo em relação a isso, e ter produção em relação a essa sensibilidade, que todo mundo pode ter, mas nem todo mundo adquire a linguagem, e quando você passa a ter você se torna um artista.” isto é ser artista para Bergo, menos abstrato que o Google.

 Se nasce artista ou torna-se? Batizada Maria Antônia Kormann Itiberê, ela adotou Pituca que é como todos a chamam. Ao questioná-la sobre desde quando ela é pintora responde “Desde que eu me conheço por gente. Mas mais do que pintora eu sou autointitulada artista desde sempre.” Como justificativa diz que, além de pintar, borda, desenha, atua, esculpe, e que o seu desenho mais antigo é de quando tinha dois anos. Nasceu artista.

Apesar de complicado, divulgar a sua arte ficou mais fácil com o advento das redes sociais, afinal não apenas de selfies vive o Instagram, todos os artistas citados aqui possuem seus perfis dedicados ao seu trabalho. Sigo todos e não passa uma semana sem que o trabalho deles permeie meu dia-a-dia.

Transformar a arte que produz em fonte de renda não é fácil, mas estes jovens mostram que não é impossível viver o sonho.

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