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Como She-Ra fez um trabalho importante na abordagem de personagens queer?

“Seria mais fácil olhar para o meu reflexo se eu tivesse visto a minha imagem refletida para mim pela mídia. Enquanto a representação de pessoas queer é muito melhor hoje do que foi para mim, uma criança no armário nos anos 80 e 90, ainda há escassez de personagens LGBTQ+ na mídia convencional”, escreveu Amber Leventry para o Washington Post.

É isso que séries como She-Ra and the Princesses of Power mudam. No ultimo episódio da revival da animação dos anos 80, as personagens principais Adora/She-Ra e Catra (ou Felina, em português) selaram seu romance, iniciado por subtexto desde o início da série, com um beijo.

Beijo entre Catra e Adora no último episódio da quinta temporada
Beijo entre Catra e Adora no último episódio da quinta temporada. | Foto: Reprodução.

Trajetória de personagens LGBT ao longo do tempo

Historicamente, havia apenas uma maneira de ter personagens LGBT fora do armário na mídia: eles tinham que ter um final infeliz. Desde novelas dos anos 50 até séries mais modernas, homens gays apanhavam até a morte, eram caçados para fora da cidade (ou, no caso, do meio de mídia), ou morriam por Aids. As lésbicas, por outro lado, eram retiradas por meio do suicídio, quando seus interesses amorosos preferiam homens.

Frequentemente, personagens queer são cortados das histórias principais (ou plot) de séries live-action ou animadas, sofrendo esses “finais horríveis e trágicos” simplesmente por quem são, como Lexa, de The 100.

Essa “síndrome”  começou, pois autores heterossexuais acreditavam que deveria existir algum tipo de resultado moral para as “escolhas” dos personagens, para que servissem de exemplo. No entanto, essa tradição continuou, pois os escritores, sem fazer parte da sociedade LGBTQ+, não sabiam como aprofundar tais personagens, e a maneira mais fácil de lidar com eles era, portanto, matando-os.

Em outros casos, suas sexualidades não são mencionadas ou são escondidas, como as de Mulher-Maravilha, personagem bissexual, criada por um homem em uma relação poligâmica com duas mulheres bi.

É importante para a população LGBT+ ao redor do mundo, inclusive (e talvez principalmente) durante a infância, receber uma representatividade tão positiva como a dessa animação para acreditar que seus finais não serão trágicos, e que é possível ser feliz. Afinal, a triste realidade do suicídio ocorre mais vezes entre pessoas queer, e é necessário que elas possam ver que existe felicidade e suas vidas e lutas são válidas.

Noelle Stevenson, produtora executiva de She-Ra, apontou: “Personagens de séries animadas têm uma longa história de crushes, primeiros amores, ou um parceiro, mas se são personagens LGBT que se dão as mãos ou se beijam, é de alguma forma ‘inapropriado’. Não faz algum sentido.”

Noelle Stevenson
Noelle Stevenson. | Foto: Reprodução.

Desde o início do desenho animado, Stevenson tinha em mente o final que queria: Catra e Adora juntas como um casal. Para que os produtores aceitassem, foi uma constante batalha. A responsável pela história afirma que foi necessário não apenas pedir constantemente e explicar o porquê era importante, mas fazer com que, durante a série inteira, a realização daquele casal fosse o caminho para que o bem (representado pelas princesas, contra a Horda, dos vilões) vencesse.

Ter um personagem abertamente LGBT dá esperança e inspiração para crianças queer, que talvez as coisas darão certo em suas vidas, que há um futuro para elas, e ajuda crianças que não entram nessa categoria a desenvolver empatia e entendimento para pessoas que não são exatamente como elas.

Além do casal principal, a série inteira mostrou casualidade com todos os personagens, seus gêneros e sexualidades. Por exemplo, os pais de um dos personagens principais, Bow, são ambos homens homossexuais; um personagem metamorfo é não-binário, e seus pronomes eram respeitados tanto pelos “bonzinhos” quanto pelos “malvados”; um casal de princesas presentes desde a primeira temporada eram casadas (uma delas, inclusive, dublada por Noelle).

O amor entre Catra e Adora não só foi fundamental para o crescimento de ambas as personagens, como foi para o final feliz da série como um todo.

Em primeiro lugar, Catra parecia ser a vilã da história. Após Adora fugir da Horda, onde eram treinadas para lutar contra as princesas e acreditar que elas eram malignas, para conhecer o seu destino como She-Ra, guerreira protetora da magia daquela terra, a amiga foi tomada pelo rancor e decidiu ser a maior antagonista da história — até perceber que sentia tal raiva por ter sido abandonada por Adora, quem percebeu que amava. Essa percepção a fez tentar mudar, passando por um “arco de redenção” (como o que aconteceu com Zuko, em Avatar: A Lenda de Aang), e melhorar seu caráter para ficar ao lado de quem amava.

Para Adora, esse amor a fez voltar mais forte depois de quebrar a Espada de Proteção, que a transformava em She-Ra nas temporadas anteriores, e proteger o mundo do mal da ditadura do Horde Prime, vilão da última temporada.

A série não só ensina crianças (e adultos) que as sexualidade e identidade de cada um são merecedoras de respeito, como mostra que qualquer forma de amor é linda, e pode salvar o mundo.

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Por Domitilla Mariotti – Fala! UFRJ

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