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‘A Sangue Frio’: leia a resenha crítica do livro de Truman Capote

Dezesseis de novembro de 1959. Quatro corpos foram encontrados na residência da família Clutter. O pai, Herbert, de 48 anos; a mãe, Bonnie, de 45 anos; a filha Nancy, de 16, e o filho Kenyon, de 15. Todos mortos na noite de 15 de novembro de 1959. Assassinados brutalmente por Perry Smith e Dick Hickcock.

O crime passou a ser contado em setembro de 1965, por Truman Capote na revista The New Yorker. Em 1966, lançou-se o livro A Sangue Frio, contendo os textos publicados na revista, sucesso de vendas, marcou o universo jornalístico com uma nova proposta denominada pelo próprio autor como romance de não-ficção

Já consagrado pela produção da noveleta que inspirou o clássico Bonequinha de Luxo, Capote mergulhou fundo no que seria apenas uma nota no jornal The New York Times para fazer um dos livros-base do jornalismo literário. O assassinato de uma família tradicional de Holcomb, Kansas, nos Estados Unidos. O autor traz, no decorrer do livro, a descrição do crime, desde a caracterização aprofundada da família e de seus hábitos até o passado dos assassinos, seus possíveis problemas mentais e suas histórias. 

a sangue frio
Livro A Sangue Frio, de Truman Capote. | Foto: Montagem/Reprodução.

A Sangue Frio – leia a resenha do livro

O enredo consiste basicamente na narrativa detalhadíssima desde dias antes da fatídica noite de 15 de novembro de 1959 até a execução dos culpados, em 14 de abril de 1965. Enquanto romance de não-ficção, percebe-se o grande trabalho de Capote para recolher o máximo de informações assertivas a respeito da família, que era muito querida na cidade.

Todos os pormenores de suas vidas são retratados no livro, de maneira a aproximar o leitor das vítimas. Tal aprofundamento é feito também com os assassinos. Capote foi a fundo na busca do passado dos criminosos, além de conversar com ambos durante os cinco anos passados no corredor da morte, após a condenação até o cumprimento da pena. 

Ressalta-se no livro o choque dessa pacata cidade interiorana ao ter quatro de seus moradores assassinados brutalmente dentro de suas casas. A comunidade, que se sentia segura antes do ocorrido, passou a ambientar um sentimento de medo. Vizinhos acusando uns aos outros, todos eram suspeitos desse crime hediondo até que se encontrassem os culpados. Em cada canto da cidade, de bares a igrejas, todos comentavam e faziam suas apostas em quem havia matado a família Clutter. 

Ao narrar a trajetória dos criminosos, quase que simultaneamente ao descrever o dia a dia dos Clutter, Capote ambienta o tom do livro. Enquanto a família vivia suas vidas normalmente, dois estranhos planejavam e executavam o plano de roubá-los, que acabou em morte. O caminho percorrido pelos criminosos é colocado de forma precisa e detalhada. Passada a noite do crime, Smith e Hickcock fogem e, no dia seguinte, são iniciadas as investigações. Solucionado o caso, ambos foram condenados à pena de morte. 

Jornalismo literário

Capote apresenta sua obra-prima como um “romance de não ficção”, nega que seja caracterizado como Hiroshima, de John Hersey. Para Capote, o último não se tratava de literatura, mas, sim, de jornalismo clássico. Levanta-se aqui um ponto importante de diferenciação entre essas duas obras colocadas como primordiais do jornalismo literário: a linguagem.

Capote faz uso de metáforas e sinestesias logo no início do texto ao descrever, de maneira romantizada, Holcomb e sua população. Um exemplo do citado é notável em “o sotaque local traz as farpas da pronúncia cortante da pradaria”. Essa estilização não é vista na obra de Hersey, que busca deixar relatos brutos dos sobreviventes da bomba nuclear de Hiroshima, não há enfeites e glamourização da escrita. A beleza deste se encontra em sua concretude.

A diferença entre ambas é clara, mas uma não inferioriza a outra. Como Capote afirma, A Sangue Frio é um romance de não-ficção e apresenta características de tal. É um livro que, baseado em fatos, permeia-se por uma romantização do real, com floreios e uma instigação para descobrir o final do caso, enquanto Hiroshima é estruturado de maneira mais jornalística e direta.

Romantização do fato e parcialidade de Truman Capote em A Sangue Frio

Questiona-se, entretanto, se a romantização citada anteriormente e realizada na obra foi adequada. O embelezamento de uma história triste e violenta traz um tom inadequado para a morte de quatro indivíduos. Para além desse fator, emerge como dúvida a parcialidade de Capote ao escrever seu livro.

Rumores afirmam a existência de um caso amoroso entre o autor e um dos assassinos, Perry Smith. Como é apontado no próprio posfácio do livro, é possível que isso tenha ocorrido. Desse modo, a parcialidade de Truman se torna evidente. Ao longo da narrativa, quando mostra cartas, histórias e relatos dos criminosos, Capote proporciona muito mais conteúdo de Smith do que de Hickcock. Além, é claro, de demonstrar empatia por Smith, apelando para seu possível distúrbio mental, diversas vezes citado no texto.

Em contrapartida, é importante mencionar a sagacidade de Capote ao criar um romance a partir de algo real, a capacidade de tornar a leitura dinâmica e gerar curiosidade no leitor são pontos positivos dessa obra. Inclui-se como positivo, ainda, o questionamento sobre a pena de morte. Cada ponto pretendido pelo autor foi alcançado: a literatura em sua forma mais bela e repleta de figuras de linguagem, a apresentação aproximada de um assassinato brutal e a criação de uma obra-prima.

Entre prós e contras, A Sangue Frio é capaz de fazer borbulhar o sangue de quem o lê. Seja por repulsa ao ocorrido, pela expectativa do desfecho ou pela revolta da pena de morte. Capote, com seu gênio forte, transferiu sua pulsação ao livro e tornou-o tão emblemático quanto a si mesmo. O sangue quente de Capote corre pulsante em A Sangue Frio.

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Por Thiago Hideki Baba – Fala! Cásper

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