sexta-feira, 26 julho, 24
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A construção das cidades pode ser nociva à mente?

Final de semana. Indiaporã, interior do estado de São Paulo. Apenas o barulho da voz humana abala o silêncio severo que permeia a cidade. Pessoas estão sentadas em cadeiras em suas calçadas conversando por horas a fio, carros passam com pouca frequência, dá para ouvir o som dos pássaros cantando com muita clareza de dentro de casa, no espaço urbano.

A cidade é cheia de árvores e fica próxima a um rio imenso, o Rio Grande. O único ponto alto que o lugar possui é a Igreja Matriz com uns 15 metros, um prédio pequeno em São Paulo. As pessoas, calmas, andam de bicicleta, fazem hora depois do almoço, são amigas ou conhecidas de toda a população, ninguém tem muita pressa por aqui. Os portões raramente estão trancados.

Final de Semana. São Paulo, uma das maiores cidades do planeta. São quase 12 milhões de habitantes, não é possível imaginar esse número na forma física. Quanto espaço 12 milhões de pessoas ocupam? 1.521 quilômetros quadrados, muita coisa.

Um sábado e domingo por aqui é muito diferente, não se vê com tanta facilidade pessoas sentadas nas calçadas, os portões estão sempre fechados, a cidade é cheia de picos altíssimos, poucas árvores são vistas, o barulho de veículos é constante. As pessoas, sempre na pressa de algo, correndo de um lado para o outro. Estão, geralmente, estressadas.

São formas de vida muito diferentes, muita coisa influencia nisso, não tem como negar, mas pouca gente chega a cogitar que a arquitetura seja uma causa e não uma consequência das pessoas se comportarem de forma tão distinta sendo separados por apenas 600 quilômetros.

A neuroarquitetura é um conceito muito novo até mesmo para os arquitetos, pouco se ouve falar disso em áreas que não são altamente especializadas, mas é um assunto que, mesmo não sendo tópico de discussões frequentes, está presente na vida de todas as pessoas, todos os dias, estando ela em Indiaporã ou em São Paulo. 

Em entrevista, a professora do curso de arquitetura na Fundação Getúlio Vargas (FGV), Andréa de Paiva, define a neuroarquitetura como a junção da neurociência com a arquitetura. Apesar de autores como Georg Simmel já terem falado sobre como a formação das cidades afeta o indivíduo no final do século 19, o aprofundamento nesse assunto chega só na segunda década do século 21 graças à evolução da neurociência. Só com ela é possível comprovar os efeitos antes teorizados por pensadores como Simmel.

Os ambientes afetam as pessoas, um exemplo disso é dado por Andréa: quando se está em um local com muitas pontas- como quinas de mesa, beira de bancadas, objetos pontiagudos, etc-  é gerado um sentimento de ansiedade pois a zona do cérebro responsável por instigar o sentimento de fuga é ativada e isso, mesmo que o indivíduo ali não perceba, o afeta gerando estresse. 

Grandes empresas já usam o conhecimento obtido pela “ciência da mente” para fazer com que seus ambientes de trabalho sejam mais produtivos e não tragam sentimentos ruins a quem os ocupa, o Google é uma das corporações mais conhecidas por isso: a maneira como seus espaços são construídos se desvincula do padrão empregado na maioria da empresas e cria ambientação mais livre e cooperativa para que seus funcionários se sintam bem de estar ali e criem laços significativos.

Isso pareceu um anúncio de Congresso de Tecnologia sobre o Google, mas é um fato, a forma como as grandes metrópoles se fazem não favorece a conexão entre as pessoas e causa sentimentos ruins associados à dinamicidade que as caracteriza.

A doutora em Psicologia Social e professora da Universidade de São Paulo (USP), Sandra Maria Patrício, afirma que as grandes cidades são feitas para dar velocidade aos indivíduos, metrô, redes fast food, aeroportos estão aí para que nem sequer um segundo seja jogado fora, e isso causa um sentimento de solidão e perda nas pessoas.

Além de serem feitas para acelerar a vida, são feitas individualistas: prédios, apartamentos, condomínios, casas com portões enormes, tudo isso afasta cada vez mais as pessoas, não raro – aliás é muito comum- na cidade de São Paulo, as pessoas simplesmente não conhecerem seus vizinhos. Tudo é feito para que cada pessoa possa se guardar em seu “mundinho particular” e ficar ali, porque os lugares de socialização- como restaurantes- são efêmeros,  o resto é individual demais para se compartilhar com quem não é conhecido.

Além disso, a falta de paisagem natural nos causa ainda mais dor na vivência em grandes centros, afinal, como arqueólogos gostam de afirmar, “nossos corpos são paleolíticos”. Vivemos em um mundo totalmente estranho àquele que fomos adaptados por milhares de anos como espécie, não passamos pela evolução em grandes selvas para chegar no século 21 e não encontrar nenhuma árvore nas avenidas, nosso corpo não é capaz de entender isso. 

Andréa de Paiva alegou que pesquisas apontam uma afinidade com a paisagem natural que traz ao corpo humano relaxamento. Esses estudos afirmam que observar um quadro que tenha a figura de uma mata, jardim, pântano, em fim, que mostre a natureza, faz com que a pessoa fique mais tranquila e relaxada sem que nem perceba.

Hospitais para longos tratamentos já estão a par dessa informação e já a colocam em prática para trazer melhora mais efetiva aos pacientes, já existem centros de tratamento que são construídos em meio à floresta para que seus pacientes se sintam menos ansiosos.

Desigualdade. Até mesmo um dos problemas mais insistentes e antigos da humanidade é fomentado pela arquitetura urbana. A cidade é construída de forma muito clara: tem gente rica e tem gente pobre.

Dá para ver isso. Quem nunca viu a foto no livro de geografia que mostra o prédio chique ao lado de uma favela? Pessoas crescem desse jeito, passam a vida inteira ali, percebem as diferenças do mundo que se constrói ao seu redor, se sentem pertencentes a um deles e consideram o mundo do outro como algo alheio a si, um lugar da qual não faz parte.

A cidade é dividida e cada grupo só tem a chave para sua parte do aglomerado urbano, a outra não é sua, pertence a outra pessoa. Isso gera uma consciência fragmentada ao longo da vida e perpetua a desigualdade e a diferenciação de espaços. Acentuando mais uma vez que esse problema social tem muitas outras raízes que não serão abordadas aqui, a arquitetura é apenas uma pequena parte desse emblema.

Cidades do interior não têm muitos desses aspectos que causam tanta dor inconsciente. Portões são pequenos e abertos, a cidade não tem picos gigantes que levam seus habitantes a perceber sua pequeneza, não há metrô e há muitas árvores, pessoas se ajudam com mais facilidade, claro, a desigualdade é universal, mas o interior tem seu charme. Talvez a cidade grande tenha muito o que aprender com o “pessoal da roça”.

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Por Beatriz Azevedo – Jornalismo Jr. ECA USP

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