Advogado membro Comitê Internacional de combate e prevenção à tortura diz que essa prática deve ser tratada como uma questão estrutural.

A sociedade brasileira é pautada pela violência. A tortura está presente desde a época da colonização. Apesar de uma lei forte, o combate ainda é falho, e os organismos que apuram são duvidosos. No que concerne à tortura, desafios surgem: como investigar e como enfrentar esse problema estrutural?
Quando os portugueses chegaram às Américas, a tortura fazia parte do processo de colonização. Ela recaiu sobre os corpos indígenas e sobretudo os corpos negros escravizados. Essa visão míope ainda existe, está nos becos das comunidades ou nas salinhas dos supermercados, imbricada com o racismo estrutural. De acordo com Henrique Apolinario, advogado da Conectas Direitos Humanos e membro do Comitê Internacional de combate e prevenção à tortura, “onde ninguém está vendo, o risco da tortura é constante”.
A tortura, mais do que o sofrimento, tem o caráter da desumanização, em que uma pessoa está sob o jugo da outra. Na primeira Constituição brasileira de 1824, a tortura começa a ser proibida para os cidadãos da época. No caso, apenas homens brancos.
Por conta da imagem de cordialidade brasileira, foi só durante o regime militar que a tortura se tornou visível e convencional. A prática era muito usada na repressão dos opositores à gestão. Naquela época, jovens de classe média da UNE eram torturados. Alguns dizem que e tortura havia mudado de cor, mas na verdade ela era pontual. Corpos negros ainda eram derrubados.
O período democrático é violento. A redemocratização volta a colocar panos sobre a aspereza do Estado. O hiperencarceramento marca a tortura e outros tratamentos desumanos da atualidade.
Na Constituição de 1988, embora tortura fosse crime, não era de fato reconhecida. Era considerado maus tratos, abuso de autoridade e lesão corporal, o que Apolinario diz causar problemas de condenação até os dias de hoje. Foi só em 1997 que o Brasil define o crime de tortura como um fenômeno maior: constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental. Algo e ser enfrentado estruturalmente.
Apesar de a lei brasileira ser mais ampla do que alguns tratados internacionais, ainda há muitas complicações.
A gente tem muita dificuldade em documentar, provar e condenar pessoas com a tortura e buscar reparações com isso.
Como diz o advogado.
Não apenas essas dificuldades se sobressaem, mas ao mesmo tempo há uma violência intrínseca na sociedade brasileira. Isso é apontado em todos os relatórios internacionais sobre o Brasil, por órgãos internacionais e nacionais.
O fato da tortura acontecer em locais de difícil acesso, onde ninguém esteja olhando, dificulta as investigações, uma vez que na maioria dos casos não há testemunhas. Para ter a prova concreta é preciso passar pela perícia, outro fator que dificulta a investigação. Além de ser precária e sem estrutura, a perícia algumas vezes é envolvida com a Polícia Militar, que tem um histórico violento e de tortura. A apuração ainda é feita pela própria corregedoria da PM.
O Brasil colabora muito no plano internacional assinando todos os tratados e protocolos facultativos. Um desses determinou que deveria ser criado um sistema de combate à tortura. Além do Ministério Público, Polícia e perícia, em 2013 foi criado o Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, cujo papel é ligar diferentes órgãos oficiais e sociedade civil a fim de monitorar e fiscalizar principalmente os locais de privação de liberdade. Apolinario acredita que o olhar interdisciplinar é necessário.
Esse é um problema, sobretudo do combate à tortura, muitos órgãos fazendo o seu papel minimamente, mas sem conversar.
O combate à tortura se mostra cada vez mais custoso ao passo que e prática é exaltada em pleno Congresso Nacional, sem a menor consequência para aquele que alguns anos depois chegou à presidência do país. Um dos primeiros atos desse governo foi o máximo desmonte do Sistema, com e exoneração de todos os peritos.
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Vitória Macedo – Fala!PUC