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Futebol de todos: entrevista com o presidente da Champions LiGay

A LiGay Nacional de Futebol, carinhosamente apelidada de Champions Ligay, é uma competição de futebol society voltado para times LGBT+ que estreou em 2017, no Rio de Janeiro. Desde então, o campeonato cresceu bastante, contando com 25 times masculinos na sua última edição, a quinta, realizada em outubro de 2019, em Belo Horizonte. Uma novidade no torneio de BH foi a primeira participação de equipes femininas, três ao todo.

A maior competição de futebol LGBT+ na América Latina teve como fundadores os oito times que participaram da primeira edição: BeesCats(RJ), Unicorns Brazil (SP), Futeboys (SP), CapiVara (PR), Magia (RS), Bharbixas(MG), Bravus (DF) e Sereyos (SC). No RJ, os campeões foram os mineiros do Bharbixas, já em Minas, os cariocas deram o troco e se consagraram bicampeões. A outra equipe que já levantou o troféu foi o Bulls (SP), em duas oportunidades.

Ligay
Imagem de divulgação em página no Facebook. | Foto: LiGay Nacional de Futebol/Reprodução.

A LiGay, porém, não se trata apenas de um torneio de society no qual todos brigam para ganhar. O intuito é dar visibilidade à comunidade LGBT+ e mostrar que, sim, o futebol é um esporte de todos, assim como os demais. Para falar mais sobre isso, convidamos Josué Machado, jogador do Bharbixas e atual presidente da LiGay, para conversar com o Fala!

Confira a entrevista completa com o Josué Machado:

Fala!: O que é e o que representa a LiGay dentro da comunidade LGBTQ+?

J.M.: A LiGay surgiu depois de um aplicativo de relacionamentos gay ter criado um campeonato, em julho de 2017. Foi um evento realizado em São Paulo com quatro equipes, e que teve como patrocinador esse aplicativo. A partir desse primeiro campeonato, alguns jogadores foram em programas de repercussão nacional e começaram a surgir times no Brasil inteiro […], inicialmente times só com jogadores gays.

E, em novembro de 2017, foi criado o primeiro campeonato nacional, intitulado de Champions LiGay […]. Foi criada uma conta em uma rede social que ajudava a criar times por todo o país. Nesse primeiro campeonato, no Rio de Janeiro, a gente teve oito equipes de seis estados. Foi aí que começou a ganhar mais repercussão. Depois disso, já tiveram cinco edições. A gente começou com oito e, hoje, temos por volta de 30 times e uma lista de espera de 15 times ou mais.

[Representa] o empoderamento da comunidade LGBT. Demonstrar para pessoas, para uma sociedade que ainda é muito preconceituosa, que as pessoas LGBT têm as mesmas capacidades que uma pessoa normativa, e elas conseguem praticar esportes da mesma forma, tendo a mesma técnica. O principal intuito é demonstrar para a sociedade que a gente é capaz de fazer todas as coisas. E, principalmente, de combater a homofobia dentro do futebol, que é um meio muito preconceituoso, muito machista e muito homofóbico. E, quem sabe, conseguir levar isso para dentro dos estádios. […], já ganhamos alguma repercussão, tivemos a campanha da camisa 24 (#FutebolSemPreconceito) que foi colocada na estátua do Pelé. Temos conseguido fazer com que as pessoas repensem.

Estátua Pelé
Estátua Pelé em Santos, SP. | Foto: Reprodução.

Fala!: Como a primeira edição, que aconteceu no Rio de Janeiro, em 2017, foi recebida pelo público?

J.M.: Tivemos um público de mais ou menos 1.500 pessoas, a maioria de familiares dos atletas. E foi superbacana ver os familiares todos reunidos para verem o campeonato e apoiarem LGBTs. E, no geral, para mídia, para o restante do público, eu acho que foi mais como uma surpresa. “Como assim existem jogadores LGBTs?”. As pessoas não esperavam que fossem constituídos times LGBTs e, até hoje, não esperam. Quando a gente fala que existem 60 times no Brasil inteiro as pessoas ficam surpresas. “Como eu não vi isso?”. Apesar da LiGay ter sido muito divulgada, ter aparecido em grandes veículos de circulação nacional, jornais, jornais esportivos e programas esportivos.

Fala!: A primeira edição contou com a participação de oito times, já a última, com 28 ao todo. A ideia é ampliar o número de equipes com o passar das edições?

J.M.: A nossa maior intenção é envolver todo o Brasil. Estamos com o projeto de criar federações regionais, federação norte, sul, sudeste, centro-oeste e nordeste. E que a gente crie seletivas regionais para que façamos, no segundo semestre do ano, um campeonato com os campeões de cada região ou os melhores colocados de cada. (Isso) porque hoje temos times na lista de espera e, se continuarmos no mesmo formato, tem time que vai levar dez anos para entrar no campeonato, então, não achamos justo. Queremos contribuir com o país inteiro, fazer com que a comunidade seja respeitada, então criar os campeonatos regionais para englobar todos esses 60 times é um dos principais objetivos nossos agora.

As estruturas que temos, hoje, e a quantidade de dias que temos para fazer o campeonato, que geralmente é feito no final de semana ou em um feriado prolongado, não permitem que a gente aumente tanto o número de equipes. Têm cidades que conseguem receber 30/32 equipes, mas têm cidades que não conseguem. Essa é a nossa maior dificuldade porque tentamos fazer as sedes itinerantes. Então, 60 equipes para dois dias de jogos no final de semana é impossível.

Estamos trabalhando com esse objetivo: englobar todos os times do país, mas de forma regional, os classificando para a fase nacional através de seletivas regionais.

LiGay Nacional de Futebol
O Bharbixas jogou em casa na 5ª edição. | Foto: LiGay Nacional de Futebol/Reprodução.

Fala!: A LiGay é muito mais do que simplesmente um torneio decidido dentro das quatro linhas, é um evento. E, como todo evento, reúne diversas atrações. Poderia falar um pouco mais sobre elas?

J.M: É claro que o objetivo maior é o futebol, e temos tentado dar prioridade a isso em relação à qualidade técnica e ao nível dos jogos. [A qualidade] é importante também não só para a comunidade, mas também para os patrocinadores e pessoas que queiram investir nos times, nos jogadores e na comunidade LGBT. Além da qualidade técnica, temos diversas outras coisas dentro desse evento. Por exemplo, todos os times antes do campeonato fazem uma apresentação. Eles têm um minuto e meio para apresentar qualquer coisa que o time queira, pode ser dança, um protesto, falar sobre as ISTs (Infecções Sexualmente Transmissíveis) […]

Além disso, sempre temos palestras no meio da competição falando sobre ISTs e diversos outros temas voltados para a comunidade LGBTQIA+. E todo encerramento tem uma festa depois dos jogos acabarem, geralmente no sábado à noite. […] Geralmente, estão todos os atletas e os times e atrai o público LGBTQIA+. […] Não tem só futebol, tem outras atrações.

Fala!: Você citou brevemente a relação com os patrocinadores. Como é essa relação e qual é a importância dela para a realização da LiGay?

J.M.: É uma dificuldade ainda para LiGay e para os times que disputam […]. A gente corre muito atrás e consegue alguns patrocinadores. Então, geralmente, nas LiGays a gente tem os patrocinadores máster […]. Geralmente, são empresas que já são voltadas ou trabalham com o público LGBTQIA+. E, de maneira geral, como cada time é responsável pela organização do campeonato naquele determinado período, ele que tem que ir atrás do patrocinador para aquela competição. Na última edição, em BH, pela primeira vez tivemos um apoio público. Tivemos o patrocínio da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte e um patrocinador máster de um produto voltado para o meio LGBTQIA+.

Mas nos falta ainda muito, o apoio ainda é pouquíssimo. A gente não tem um patrocinador fixo, ficamos tentando buscar formas para que o campeonato aconteça. De maneiro geral, o campeonato é muito caro e é um custo muito alto para realizar as competições. Sem patrocinadores, não conseguimos fazer.

Para os times também ainda nos falta muito apoio e patrocínio. Eu acho que, para ser sincero, dos mais de 30, (apenas) três ou quatro são patrocinados, e são muito tímidos. Então, é uma dificuldade imensa para que a gente faça o campeonato acontecer e para o próprio dia a dia dos times, os treinos. Sempre têm que ser cobradas mensalidades dos atletas para que consigamos manter os times. Então, realmente ainda falta bastante apoio tanto do poder público quanto de grandes empresas.

futebol lgbt
A Organização de Turismo da Grã-Bretanha patrocinou os paulistas do Unicorns Brazil na última LiGay. | Foto: LiGay Nacional de Futebol/Reprodução.

Fala!: Existe algum tipo de meio de campo no deslocamento das equipes para as sedes? Ou os jogadores têm que bancar as passagens?

J.M.: Na maioria das vezes todo o custeio de treinos, hospedagens e passagens para participar das competições são bancadas pelos atletas. Como os clubes, na maioria dos casos, não têm patrocinadores, não conseguem nem dar ajuda de custo para os atletas. Em 99% dos casos, tudo é custeado pelos atletas.

Fala!: Na última edição, tivemos a entrada dos times femininos. Já era um sonho antigo contar com elas também?

J.M.: Eu, como presidente, sempre tive a intenção de incluir os times femininos na competição porque acredito muito que a luta do futebol feminino e a nossa são parecidas […]. Tanto a gente quanto o futebol feminino queremos comprovar nossa capacidade. Acho até que a luta do futebol feminino é ainda maior porque, além de tudo, elas são mulheres e são subjugadas na nossa sociedade. Então, é importante para a gente que caminhemos juntos.

Eu faço parte do Bharbixas, daqui de Belo Horizonte, e a competição feminina foi totalmente bancada pelo Bharbixas. Se a gente ver em termos de valores para a realização, com as inscrições que foram pagas pelos times femininos, a gente não teria condições de realizar a competição em BH, devido aos custos. E aí foi uma ideia do Bharbixas e minha de conseguir bancar […] até mesmo para incentivar outras equipes da LiGay a criarem seus times femininos.

A Copa Sul, que já tem cinco edições, contou, acho, em duas delas com times femininos também. Ou seja, não fomos a primeira competição voltada para a comunidade LGBTQIA+ a realizar o feminino. A Copa Sul fez isso primeiro, então temos que dar os créditos necessários […]. Mas em termos de LiGay foi ideia totalmente do Bharbixas e minha de conseguir bancar, organizar e incentivar as outras equipes a fazerem isso.

Fala!: Segundo a página da LiGay, a próxima edição estava planejada para outubro deste ano. A competição corre risco de ser adiada devido à pandemia de Covid-19?

J.M.: Ainda tem muita incerteza neste momento. Estamos com algumas reuniões marcadas para junho/julho para vermos se conseguiremos realizar (a LiGay) ainda este ano. É bem incerto ainda porque tínhamos alguns patrocinadores com os quais estávamos conversando, porém, no momento, não temos como continuar discutindo sobre. Por enquanto, está mantida, mas teremos a confirmação só em junho/julho.

Fala!: Você já citou a intenção de manter a rotatividade de sedes, realizar a próxima edição ainda este ano e também a ideia de fazer as seletivas. Para além disso, quais são as expectativas e os objetivos da LiGay para o futuro?

J.M.: O objetivo principal é continuarmos combatendo o preconceito, a homofobia e o machismo dentro dos estádios de futebol do Brasil, realizando as competições em âmbito nacional, conseguindo atingir o país inteiro. Quem sabe daqui a alguns anos a gente tenha jogadores que sejam assumidamente LGBTs, assumidamente gays e estejam jogando profissionalmente em clubes do Brasil e do mundo.

Um dos meus objetivos enquanto presidente é poder montar uma seleção brasileira para disputar o Gay Games em Taiwan, em 2022. Então, a gente pretende, se conseguirmos os patrocinadores e o apoio, montar uma seleção brasileira para disputar. A gente teve, em 2018, o BeesCats, do Rio de Janeiro, que faz parte da LiGay, participando do Gay Games, que foi realizado em Paris, e eles foram vice-campeões mundiais. Só que eles foram por conta própria, bancaram a hospedagem e a viagem, nós queremos tentar montar uma seleção brasileira para disputar essa competição.

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Os cariocas do BeesCats fizeram bonitos no último Gay Games. | Foto: Igor Nunes/BeesCats.

E aí, gostou de conhecer mais da LiGay? Então aproveite para conferir um pouco do clima da última edição em reportagem feita pela Rede Minas, a TV pública de Minas Gerais.

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Por Carlos Vinícius Magalhães – Fala! UFRJ

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