A importância da representatividade nas historinhas que estão entre os maiores ícones da cultura pop nacional
A Turma da Mônica já faz parte do imaginário brasileiro há mais de 60 anos e já são quatro gerações que tiveram seu processo de alfabetização influenciado pelas revistinhas. Fazer parte dessa fase foi – e continua sendo – extremamente importante para a consolidação do império de Mauricio de Sousa, pois é justamente a época em que a criança começa a entender sua relação com o mundo e se baseia em personagens para estabelecer seu papel na sociedade. Por isso – e por muitos outros fatores – a diversidade representada nos quadrinhos dele é tão importante.
Foi em 1959 que Mauricio de Sousa estreou a turminha em uma tirinha de jornal com Franjinha e Bidu como personagens principais. No ano seguinte, há a primeira aparição de Cebolinha e, em 1961, a do Cascão.
A criação de Mônica já é, em si, um grande exemplo da diversidade que teria, futuramente, o universo da MSP (Mauricio de Sousa Produções): acusado de misoginia, o criador da turma se viu incomodado. Primeiro, não sabia o significado da palavra e foi procurar no dicionário. Segundo, não se identificou com o que leu, mas percebeu que não havia personagens femininas em suas histórias e diz que era porque não sabia como contar as histórias de uma menina, pois se baseava em sua própria infância para escrever os roteiros. Terceiro, resolveu se inspirar em quem mais poderia lhe dar insumos sobre a infância das meninas: suas próprias filhas.
As meninas e mulheres da MSP
Surge, então, em 1963, Mônica, personagem homônima de sua segunda filha, como coadjuvante de uma das tirinhas de Cebolinha, mas que logo seria a dona da rua e uma das personagens mais fortes da turma, tornando-se mais popular com o tempo e protagonizando sua primeira revistinha em 1970.
E o papel das mulheres e meninas nos quadrinhos da MSP tem se tornado cada vez mais forte com a direção executiva da própria Mônica Sousa. Ela criou o projeto #DonasDaRua, que visa dar maior visibilidade às personalidades femininas de diversas épocas e lugares a fim de trabalhar a autoestima das meninas e seus direitos a diferentes oportunidades.
Em maio de 2019, pouco antes do Mundial de Futebol Feminino, o perfil da Turma da Mônica no Instagram postou uma ilustração que homenageava a Seleção Feminina de Futebol com a Seleção Donas da Rua, na qual várias personagens estão vestindo a camiseta verde e amarela.
Além disso, em março desse ano, foi anunciada a exposição Donas da Rua da História para celebrar o Dia Internacional das Mulheres e o aniversário de quatro anos do projeto. Com início no dia 3 de março e final no dia 17 do mesmo mês, a exposição no Conjunto Nacional, em São Paulo, homenageou 19 mulheres de diferentes campos, entre elas Frida Khalo, Rachel de Queiroz e Carolina Maria de Jesus.
A questão é que os quadrinhos da MSP se adaptam ao tempo em que estão inseridos. Nas histórias mais antigas, sempre que mulheres adultas apareciam, geralmente estavam na cozinha e, na maior parte do tempo, vestindo aventais. Hoje, as mães também trabalham fora e os pais passam a cozinhar. Isso aconteceu por conta da parceria que Mônica Sousa estabeleceu com a ONU Mulheres, que questionou esses antigos costumes, que ainda eram reproduzidos nos quadrinhos.
Minorias na MSP
Por muito tempo foi questionada a ausência de mais personagens negros em papéis de protagonismo nas histórias da MSP. Até 2017 eram quatro os que mais apareciam: Jeremias – que sempre foi personagem secundário, mas que, em 2018, recebeu uma graphic novel (HQs voltadas para o público jovem e adulto) com seu nome: Jeremias-Pele, no qual é contada a história do racismo sofrido por ele – e três jogadores de futebol: Pelezinho, Ronaldinho Gaúcho e Neymarzinho – que apareciam apenas para praticar o esporte.
Em um país cuja maioria da população se autodeclara negra, não fazia sentido a maioria dos personagens serem brancos. Levando isso em consideração, em 2017, foi apresentada ao público a família de Milena, uma garotinha negra que logo fica amiga do resto da turma e entra para o rol de protagonistas. Ela, inclusive, já apareceu no perfil das redes sociais da Turma da Mônica caracterizada de Ariel, de A Pequena Sereia, após a escalação de Halle Bailey para o papel no live-action da Disney, além de ter sua imagem utilizada em vários posts que falam de empoderamento e orgulho dos cachos.
Mas, além dela, há muitos outros personagens que compõem a diversidade no universo da MSP e promovem a representatividade de minorias. Indígenas, asiáticos, pessoas gordas, anoréxicas, deficientes físicos, auditivos e visuais, portadores de Síndrome de Down, doenças raras e autismo são algumas das representações.
Papa-Capim e sua turma são os representantes dos indígenas no Brasil. Ele mora em uma oca numa aldeia localizada na Floresta Amazônica e é popular por seu amor à natureza. Enquanto desbrava as matas brasileiras, ainda encontra aventuras quando encontra o mundo dos caraíbas (nome que sua tribo deu a quem mora na cidade grande). Em 2016, ganhou sua própria graphic novel com o nome de Papa-Capim-Noite Branca.
A comunidade asiático-brasileira conta com representantes de dois polos opostos: um deles é a família de Nimbus e Do Contra, que é uma típica família brasileira, com costumes e práticas comuns a quem os vê sem olhar para seus olhos, e o outro são Tikara e Keika, personagens criados em 2008 em comemoração ao Centenário da Imigração Japonesa no Brasil. Os últimos são bastante estereotipados e não aparecem com tanta frequência, sendo marcados em algumas edições da Turma da Mônica Jovem apenas para explicar alguns conceitos japoneses.
E é na Turma da Mônica Jovem que aparecem pela primeira vez as personagens Isa e Maria Mello. Isa é uma adolescente gorda que, a princípio, encontra alguns problemas por conta disso. A turma tenta fazê-la emagrecer, sem sucesso, mas ela acaba feliz e aceitando seu corpo, que sofre com um hipotireoidismo. Já Maria Mello, é anoréxica, muito magra, mas que se vê gorda sempre que olha para seu próprio corpo. Com a ajuda da turma, também é uma das personagens que, futuramente, passa a aceitar seu corpo como ele é.
Personagens mais antigos que já contam com a amizade da turminha são Humberto, Dorinha e Luca, deficientes auditivo, visual e físico, respectivamente. Humberto estreou em 1981, e, a princípio, era apenas mudo, mas, em 2006, aparece em uma historinha na qual a turma tenta aprender a língua de sinais a fim de se comunicar com ele, indicando sua surdez. Já Dorinha, inspirada em Dorina Nowill, e Luca aparecem em 2004.
Mais recentemente, Tati, inspirada em Tathiana Piancastelli, atriz teatral com Síndrome de Down, André e Edu foram acolhidos pela turminha. Tati tem Síndrome de Down, André é autista e Edu é portador de uma doença rara: distrofia muscular de Duchenne. Todos eles fazem parte do grupo como iguais, apesar de um baque inicial apresentado pelas diferenças entre eles.
O mimetismo da MSP
O peso que os gibis da MSP têm na trajetória de vida de diversas classes e idades também é muito forte, e não é por acaso: as produções também se adaptam a diferentes públicos e acompanham a evolução de algumas discussões na sociedade.
Nos últimos anos, a empresa de Mauricio de Sousa diversificou seus produtos a fim de abranger não apenas o público infantil, mas o adolescente e o adulto também.
Para isso, novas produções envolvem Mônica Toy – muito popular entre crianças ainda não alfabetizadas, mas a maior audiência vem dos Estados Unidos e da Rússia -, que são vídeos curtos produzidos para o YouTube; a Turma da Mônica Geração 12, primeira produção da MSP 100% em estilo mangá, que conta a história de alunos de doze anos que são enviados a outros planetas semelhantes à Terra; a Turma da Mônica Jovem (ou TMJ), cujos temas se aproximam mais ao público infanto-juvenil, como os personagens lidando com a adolescência, paródias de animes e filmes da cultura pop e algumas edições que até se aproximam do suspense e do terror; e as graphic MSP, que são obras mais maduras, tratando de alguns temas mais sérios e com uma abordagem intensa, feitas por roteiristas e ilustradores fãs de Mauricio de Sousa.
Recentemente, na CCXP 2019 (Comic Com Experience 2019), foi revelada no painel da MSP a graphic novel Penadinho 2, que presta homenagem a um dos grupos de rap brasileiros mais importantes e relevantes no cenário nacional: Racionais MC’s. A imagem teaser faz referência direta ao disco Cores e Valores, lançada pelo grupo em 2014.
E, além dessas publicações fixas e periódicas da MSP, ainda há algumas edições especiais de adaptações de lendas e contos de diversas culturas. Em 2008, foi publicado um livro em que a turma da Mônica interpreta alguns contos de Andersen, Grimm e Perrault; em 2009, foi lançado um livro com algumas das lendas brasileiras mais conhecidas. E, em março de 2020, em uma parceria com a JBStudios, foi a vez de um livro ilustrado com contos japoneses adaptados por André Kondo.
Uma grande abertura cultural é dada a essas obras, levando em consideração que muitas crianças não conhecem, por exemplo, os irmãos Grimm pelo nome, mas ver uma capa ilustrada pela turminha pode fazê-las se interessar por esse tipo de conhecimento.
O significado da Turma da Mônica
O interesse que as pessoas têm pela turma da Mônica e o sucesso que os personagens fazem entre diversas camadas da sociedade se deve à identificação criada a partir das experiências vividas pelas personalidades desenvolvidas por Mauricio de Sousa.
É possível que o sucesso desse universo se deva à proximidade da vida cotidiana que ele tem, trazendo o maior número de elementos possíveis que representem uma infância real e ensinando coisas importantes sobre família, amizade, além de trazer outros assuntos mais recentes, como a consciência ambiental, bullying e autoconfiança, ainda com muita leveza e cuidado.
Ao adquirir essa importância, Mauricio de Sousa entende que seus personagens têm um papel social e, sabendo disso, está atento às mudanças de hábitos e costumes que o tempo propõe: Cebolinha faz cartazes ao invés de pichar os muros do bairro; não há mais xingamentos gordofóbicos direcionados à Mônica; Chico Bento não solta mais balão…e por assim vai.
São mudanças sutis, mas que contam muito hoje em dia. Se os quadrinhos tivessem ficado presos ao passado, não teriam sobrevivido com a mesma força e relevância atuais.
E é assim que o universo criado por Mauricio de Sousa consegue abranger diversos públicos, fortalecendo sua presença no mercado e na vida de milhões de brasileiros. Daniel Rezende, diretor do filme Turma da Mônica: Laços costuma dizer que existem 200 milhões de fãs número 1 da Turma da Mônica e que a turminha representa o maior ícone pop do país.
A simples existência da MSP no Brasil une diferentes camadas que se sentem incluídas e representadas nas histórias e faz com que a população valorize mais a cultura nacional.
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Por Fernanda Tiemi Tubamoto – Fala! UFMG