Plus Ultra! Boku no Hero Academia e A Jornada do Herói: uma receita antiga com um novo sabor
O mundo dos animes, os desenhos animados japoneses, já fazem sucesso no ocidente há décadas. Os gêneros que se sobressaem são sempre o shoujo e o shounen, sendo os shoujos voltados para meninas (como os clássicos Sakura Card Captors e Sailor Moon) e os shounens feitos para os garotos (Naruto e Dragon Ball).
Como em filmes e séries, a receita dos gêneros é simples e repetitiva; nos shounens, o protagonista passa pelo monomito (conhecido popularmente como a Jornada do Herói), em que seu mundo comum é abalado pelo chamado da aventura e as provações que levam até o sucesso da missão.
Com tantos outros títulos usufruindo do mesmo molde, Boku no Hero Academia poderia ser só mais um na lista. Então, afinal, o que é que torna esse anime um diferencial?
Boku no Hero Academia
O sucesso da obra por si só não é consequência dessa especificidade: o público se agrada com a receita de bolo, ainda que parte dele sempre procure algo novo.
O brilho inovador de Boku no Hero está na aproximação com o ocidente: apesar de se passar no Japão, o anime abraça o estilo estadunidense das histórias em quadrinhos para moldar o enredo, em um sincretismo cultural no qual o produto final funciona muito bem.
Em uma comparação grosseira, Boku no Hero é como um X-Men japonês, recheado de simbolismos norte-americanos e palavras em inglês (e latinas, considerando o bordão do anime, Plus Ultra!), mas sem deixar de lado a essência nipônica original.
(Alerta de spoilers!)
O início da Jornada do Herói
A história de Boku no Hero Academia se concentra em um mundo onde a maioria dos humanos possui superpoderes, chamados de individualidades. Tais habilidades especiais são usadas por alguns para o mal, os “vilões”, e os que os combatem são “heróis”: profissionais de agências licenciadas pagos pelo governo para proteger a população.
Nesse contexto fantasioso, o protagonista Midoriya Izuko, um adolescente nascido sem individualidade, sonha em se tornar um herói e seguir os passos de seu ídolo, o herói número um, All Might.
No entanto, a falta de superpoderes do garoto torna esse sonho impossível e ainda atrai a opressão de Bakugou Katsuki, um colega de infância com a invejável individualidade de produzir explosões.
É quando acontece a etapa do monomito “encontro com o mentor”, no qual o super-herói All Might conhece e aceita treinar Izuku para ingressar na concorrida escola de heróis UA. A partir daí, o adolescente é submetido a exercícios pesados durante meses para estar apto a herdar o All for One, a poderosa individualidade de All Might.
O corpo do garoto, porém, não é preparado para o uso da individualidade. Isso acarreta uma das muitas provações de seu percurso para se tornar herói, já que é necessário descobrir um jeito de utilizar os poderes sem se ferir.
Em muitos casos, Izuku ganha cicatrizes que o acompanham durante toda a história, uma marca visível da Jornada. Esses pequenos detalhes são uma ótima aposta ao passo que dão, tanto ao personagem, quanto ao espectador, uma sensação satisfatória de superação.
Amizade e o verdadeiro heroísmo
Dentro da escola UA, o protagonista encontra com vários outros adolescentes e é possível distinguir o papel que cada um exerce na história, como já previsto na receita padrão: os poderosos Katsuki Bakugou e Todoroki Shouto funcionam como os companheiros rivais e a gentil Ochako Uraraka como um possível interesse amoroso, apesar do enredo deixar claro que essa questão é secundária.
À medida que o anime se desenrola, os laços entre os jovens se formam e progridem, sejam eles de amizade ou antipatia, enquanto as motivações para cada um deles entrar na escola são reveladas. Ainda que algumas sejam mostradas como mais egoístas do que outras, o propósito do protagonista segue sendo sempre proteger os que precisam.
Em várias situações essa determinação é reiterada, sobretudo em lutas contra vilões e na urgência de salvar vítimas. A mensagem que é passada é a de que Izuku, ainda que sem o total controle de suas habilidades, tem o coração puro do herói monomítico.
O arqui-inimigo e a luta dos herdeiros
Como toda franquia que pretende seguir a Jornada do Herói, a trama do anime indica desde os seus primeiros capítulos quem será o antagonista principal: Shigaraki Tomura, discípulo do arqui-inimigo do mentor All Might, All For One.
Esse cenário, apesar de clichê, não deixa de surpreender pelos detalhes e revelações que a relação entre os mentores e seus herdeiros englobam. Tudo na história contribui para um contexto no qual o jovem Izuku se prepara para assumir seu posto como o maior herói e lutar contra Tomura, mas cabe aos roteiristas decidirem se vão seguir por esse caminho ou não.
Contudo, a indicação do antagonismo logo no princípio não corta o foco de outros obstáculos. Ao longo do percurso de Izuku, vários arcos são abertos e fechados e diferentes vilões surgem, com objetivos diferentes e, as vezes, contrários aos do inimigo principal. Isso acarreta na criação de mais um conflito de poderes e interesses e contribui para deixar a trama mais instigante.
Mangá x anime
A fidelidade de Boku no Hero Academia à história original do mangá é quase total. Ao contrário de muitas obras que optam por trocar elementos de roteiro ou encher a versão animada de fillers, Boku no Hero evita ao máximo contradizer a história escrita e, quando faz, costuma ser de forma positiva.
A animação ressalta expressões e emoções que não poderiam ser sentidas de forma tão real somente lendo. Além disso, como todos os bons shounens, é quase senso comum de que cenas de luta são mais intensas e empolgantes se coloridas e, principalmente, se tiverem movimento. Ainda assim, o caráter lúdico do anime não tira o brilho do mangá, que é uma boa pedida para aqueles que preferem a leitura.
Todos os elementos que compõem Boku no Hero parecem, a princípio, batidos. A ideia em si não é nova e não surpreende a primeira vista, mas a composição que o anime faz do clássico e clichê estadunidense de super-heróis com o toque inovador nipônico faz da obra um ponto fora da curva, na mistura perfeita do que já é amado e do que pode ser.
O anime peca em poucos aspectos e acerta em muitos, fazendo dele sem dúvida uma opção válida, senão indispensável, para aqueles que planejam desfrutar de um belo shounen.
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Por Maria Eduarda Lourenço – Fala! UFRJ