Já não vejo a rua há quase três semanas agora.
Sigo sempre ouvindo as mesmas vozes e vendo os rostos das outras 3 pessoas que convivem comigo.
Já contei o número de janelas do prédio em frente ao meu e limpei toda a minha estante de livros. Já ataquei a geladeira, cogitei cortar meu próprio cabelo, reorganizei os móveis da casa inteira e fiz mais faxina que o necessário.
Não me sinto presa, como muitos amigos vêm dizendo, apenas cansada e entediada.
De certa forma, me vejo seguindo as fases da abstinência, meio desordenadamente. Segundo uma matéria que li não sei quanto tempo atrás, a abstinência pode ser resumida em 4 fases principais: a dependência, a raiva, o luto e a superação.
Nos primeiros momentos de isolamento, tentei levar as coisas tranquilamente, e mesmo sabendo que não estava de férias, agia como se estivesse. Troquei dias por noites e passei incontáveis horas largada no sofá em um mundo de séries policiais, comédias românticas e reality shows de qualidade duvidosa.
Após uns dias, senti a necessidade extrema de me mexer. A falta da rotina da loucura da cidade, dos ônibus pelas manhãs e das buzinas pelas tardes estava me deixando maluca. Então, tentei dar vazão às minhas necessidades. Durante 4 dias voltei a pintar, terminei livros que tinha deixado de lado, assei 3 bolos e 2 pães, aprendi a fazer minha própria massa de macarrão e retomei trabalhos e projetos há muito começados e esquecidos. Era a dependência, a necessidade psicológica de manter uma produtividade forçada.
E, então, veio a segunda semana: as aulas on-line se tornaram uma realidade, os trabalhos começaram a acumular, os jornais só falavam em mortes e tudo o que eu fiz foi chorar e me descabelar. Surtava por tudo e por todos, por filmes, por pessoas, por notícias, por trabalhos, por mim mesma. Foi a forma que consegui dar vazão à minha raiva sem causar atritos familiares.
E, agora, estou vivendo na terceira semana, sem os olhos inchados da semana passada, ainda bem. Por incrível que pareça, tudo está tranquilo, apesar do vazio que me preenche o peito. Sinto uma saudade constante de encontrar meus amigos e me pego divagando, sentindo falta das coisas mais bobas do dia a dia como comprar café todas as manhãs ao chegar na faculdade, conversar e dar risada com minhas amigas dentro do ônibus lotado voltando para casa, ouvir a voz de um colega que está sempre cantando e sentar nos bancos de madeira ao longo de corredores arejados entre as aulas.
Apesar de tudo, ainda mantenho esperanças. Acho que estou me acostumando com essa nova rotina, apesar de ainda estar cozinhando além do necessário e vendo muita coisa de qualidade duvidosa na televisão.
Acho que é isso o que deve acontecer, porque não é uma prisão, é apenas uma nova rotina. Apenas um jeito novo e inesperado de viver e, preferencialmente, com as janelas abertas e com garrafinhas de água por perto. É preciso manter as casas arejadas e o corpo hidratado para, finalmente, aceitar que, eventualmente, tudo há de se endireitar novamente, do jeito que tiver que ser.
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Por Bruna Janz – Fala! PUC