Os filmes épicos são um estilo cinematográfico em que histórias monumentais são contadas. Eles utilizam muitos efeitos especiais, trilha sonora instrumental expansiva e um elenco enorme, o que fazem deles os mais caros de se produzir. Temáticas recorrentes em filmes épicos são impérios, guerras e grandes figuras históricas.
Nesse artigo, vamos destrinchar a trajetória dos filmes épicos clássicos, aqueles que marcaram gerações e inspiram cineastas até hoje.
Cinema: Os Grandes Épicos Modernos
A ORIGEM DO TERMO ÉPICO
A palavra “épico” deriva do grego antigo epikos, que significa “tudo aquilo que se refere à narração em verso”. O termo foi usado originalmente para descrever a poesia épica. Esse gênero literário da arte clássica narrava atos heroicos e de grandes proporções. As principais obras são Ilíada e Odisseia. O arquétipo do herói épico nasce juntamente com essas narrativas. Ele é o protagonista da história. Podemos citar Hercules, Aquiles e Ulisses como típicos heróis épicos.
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O CINEMA SE TORNA PALCO DE PRODUÇÕES ÉPICAS
Séculos depois da tradição épica ter se firmado na literatura da antiguidade, o cinema começou a transpor as lendas épicas para a tela grande. Um dos primeiros filmes que exploraram esse tipo de narrativa foi Quo Vadis (1913), ainda no período do cinema mudo. A trama ocorre durante o reinado do imperador Nero e relata o martírio dos cristãos na antiga civilização romana. Essa produção italiana fez tanto sucesso que alavancou a indústria cinematográfica do país. A Itália passou a exportar seus filmes mudos para diversos mercados internacionais, e utilizou o passado de Roma como pano de fundo em vários enredos épicos.
Nesse contexto foi filmado Cabiria (1914), similar em diversos aspectos a Quo Vadis, mas se diferenciando pela complexidade dos temas abordados e pelo visual deslumbrante. A intriga principal se baseia no sequestro de uma garotinha chamada Cabiria, sendo intercalada por outras subtramas ao longo de cinco episódios. Com uma produção monumental e uma duração de três horas, Cabiria praticamente inventou o gênero épico no cinema, se tornando um dos filmes mais influentes da história. Suas inovações técnicas se tornaram marca registrada dos filmes épicos (por exemplo, a introdução do zoom como movimento de câmera).
HOLLYWOOD ENTRA NO JOGO
Inspirado pelas obras italianas, o cineasta estadunidense D. W. Griffith trouxe para a América os moldes desse formato épico. A primeira produção de Griffith ressaltando as temáticas épicas é Judith de Betúlia (1914), baseada no livro bíblico deuterocanônico de Judite. O longa-metragem é narrado pela ótica de várias personagens e acentua Judith como uma heroína.
Depois disso, Griffith dirigiu O Nascimento de Uma Nação (1915), um épico histórico descrevendo desde a incorporação da escravidão nos Estados Unidos até a ascensão da Ku Klux Klan. Apesar de sua importância para o cinema, O Nascimento de Uma Nação é um filme explicitamente racista, pois glorifica a supremacia branca e apresenta a Ku Klux Klan como a força puritana que rege a nação.
Após a polêmica relacionada à ideologia racista presente em seu último trabalho, Griffith decidiu lançar Intolerância (1916) como reposta àqueles que o criticaram. Aqui o cineasta sobrepõe quatros tramas de diferentes períodos históricos que ilustram “as lutas do amor através dos tempos”.
D.W. Griffith inovou a linguagem cinematográfica e estabeleceu os padrões da Hollywood moderna. Ele inaugurou o uso de closes dramáticos, alternância de sequências, enormes cenários, centenas de figurantes, e até mesmo a primeira trilha sonora orquestrada.
Outro cineasta estadunidense citado muitas vezes como pai do cinema épico é Cecil B. DeMille. Ele é conhecido por ter dirigido vários épicos bíblicos, começando por Os Dez Mandamentos (1923), dividido em duas partes: um prólogo narrando o Êxodo dos israelitas do Antigo Egito e uma passagem moderna focada no debate de dois irmãos sobre o significado dos Dez Mandamentos. Outros épicos bíblicos de DeMille incluem O Rei dos Reis (1927), O Sinal da Cruz (1932) e Sansão e Dalila (1949).
Embora D. W. Griffith e Cecil B. DeMille sejam creditados até hoje como os fundadores do cinema épico, é preciso lembrar que ambos cineastas se apoiaram claramente nas produções italianas, especialmente Cabiria.
O PERÍODO MAIS FRUTÍFERO
Foram nas décadas de 1950 e 1960 que o cinema épico viveu o seu ápice. Tivemos o lançamento de Ben-Hur (1959), a terceira adaptação do romance clássico de Lew Wallace. A trama descreve a busca por vingança do jovem Judah Ben-Hur, preso injustamente pela tentativa de assassinato de um governador romano. Ben-Hur teve um orçamento de 15 milhões de dólares, o maior já registrado para qualquer filme da época. Mesmo com tamanho risco, o filme se provou um sucesso estrondoso, chegando a salvar a MGM da falência. Além disso, o longa-metragem bateu um recorde ao receber 11 estatuetas do Oscar, incluindo as categorias de Melhor Filme, Melhor Diretor e Melhor Ator. É até hoje lembrado pelas suas famosas corridas de bigas.
Outra obra-prima desse período é Spartacus (1960), de Stanley Kubrick. O enredo diz de uma rebelião de escravos na Roma Antiga. Spartacus, vivido por Kirk Douglas, é o escravo que está no centro dos acontecimentos. O filme trabalha sutilmente um comentário político sobre a época, especificamente o Comitê de Atividades Antiamericanas, criado para investigar supostas conexões comunistas dos cidadãos estadunidenses. O roteirista do longa, Dalton Trumbo, havia sido marcado na Lista Negra de Hollywood e precisou escrever o roteiro secretamente.
Enquanto isso, David Lean produzia os maiores épicos de todos os tempos em sua terra natal, a Inglaterra. Ele dirigiu A Ponte do Rio Kwai (1957), sobre a construção de uma ponte por prisioneiros britânicos detidos pelo exército japonês durante a Segunda Guerra Mundial.
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Depois fez Lawrence da Arábia (1962), baseado livremente na vida do tenente britânico T.E. Lawrence e sua campanha contra os turcos na Primeira Guerra Mundial. Ainda nesse período realizou Doutor Jivago (1965), com a Revolução Russa de 1917 servindo como pano de fundo para uma história de amor entre o médico Yuri Jivago e a enfermeira Lara Antipova.
Com essas obras, Lean provou que um épico não é feito apenas de efeitos especiais e cenários deslumbrantes, mas aquilo que essencialmente torna um filme um verdadeiro épico é a sua visão épica.
As sequências magníficas são as lembranças mais vividas de seus filmes: as cenas finais de destruição da ponte, o famoso corte de um palito de fósforo aceso para o crepúsculo no deserto, a paisagem de inverno que Jivago enfrenta para encontrar sua amada, etc.
A tecnologia disponível na época permitiu uma criatividade sem limites. Isso resultou no remake de vários títulos clássicos – vide Ben-Hur –, pois agora as tramas imponentes finalmente poderiam ser transpostas visualmente para a tela. Até mesmo Cecil B. DeMille empreendeu um remake de seu próprio filme.
Ele voltou a trabalhar a narrativa bíblica de Moisés de uma maneira romanceada em Os Dez Mandamentos (1956). Esse foi o seu longa-metragem mais extravagante, repleto de suntuosidades e demonstrações de virtuosismo. Depois de dirigir a refilmagem, DeMille se aposentou da carreira de diretor.
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O GÊNERO SE ESGOTA
Ainda na década de 1960, os filmes épicos vinham dando sinais de uma exaustão do gênero. Eram muitos filmes para o público acompanhar. E depois do fracasso estrondoso de Cleópatra (1963), que teve um orçamento inflado e quase levou a Fox à falência, os estúdios de Hollywood decidiram mudar a estratégia e não colocar tanta grana em apenas uma produção.
Chegava ao fim a fase de ouro dos filmes épicos. Teríamos um longo hiato sem nenhum arrasa-quarteirão nos mesmos moldes de Spartacus e Lawrence da Arábia. Só muitos anos depois eles seriam retomados pela geração de cineastas que cresceram adorando as obras clássicas. Mas isso é assunto para outro artigo…
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Por Matheus Menezes – Fala! Anhembi
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